De repente, os bares, bulevares e salões com suas madeleines ficam radicalmente divididos entre dreyfusistas e antidreyfusistas. Uns odeiam os outros. Ao leitor, alguma coisa lhe parece familiar?
Marcel Proust, que andou por Paris recolhendo assinaturas para uma petição pedindo a revisão do processo, assinada por Claude Monet e Anatole France, entre outros, coloca seu personagem Charles Swann, antes um dândi, colecionador e amante infatigável, ao final como alguém a ser evitado nos principais salões por ser… judeu. Uma cruel cena mostra o risca-faca entre o Duque de Guermantes e Swann: amigos de troca-troca (Proust gostaria da minha suspeita?) se separam de maneira irreconciliável.
A clivagem tramada pelo marketing politico de João Santana e corroborada ad nauseam por Lula ao longo da eleição de 2014 agravou-se com a eclosão da Lava-Jato e a dispensa constitucional de Dilma Rousseff da Presidência da República. O nós e eles, na gramática lulista e inspirada em Goebbels, evoca facilmente a luta entre os dreyfusistas e os antidreyfusistas. Ou o embate entre o bem e o mal forjado pela protoesquerda francesa após seguidas derrotas nas urnas no início do século passado. Velhos ressentimentos, antissemitismo, panfletos apócrifos, imprensa sensacionalista em busca de sangue, no caso Dreyfus, se travestem hoje no falso ódio contra a elite (Marcelo Odebrecht que me desminta), no fantasma da luta de classes, nos cães digitais e na insistência em destruir a reputação do adversário como estratégia política: somos todos ladrões.
A manipulação no caso Dreyfus, longamente estudada, inclusive por Hannah Arendt, mostra como se criam falsas realidades, por meio de ódios velados, para se camuflar a verdade e não serem apuradas as suspeitas. À época, Zola denunciou o silêncio obsequioso de ocasião de boa parte dos intelectuais. O leitor por certo achará a história bastante familiar, não?
Miguel De Almeida
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