sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A ideologia do vinho

Os argumentos do golpe no Brasil de cineastas, produtores, escritores e jornalistas europeus e das Américas não resistem aos dez minutos de conversa quando eles são alertados de que o nosso país vivia num ambiente de corrupção desenfreada desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder. Ainda existe um sentimento de alguns desses interlocutores de que o ex-presidente Lula, o operário que chegou ao paraíso, realmente teria sido o pai dos pobres. Imagem desfeita, sem muito esforço, quando são informados de que o Bolsa Família não passa de um programa fisiológico, que transformou mais de 13 milhões de famílias em reféns do PT que precisava se perpetuar no poder dominando esse curral eleitoral.

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Percebe-se, nas conversas, que muitos acreditaram na bazófia lulista de transformações sociais pela leitura que fizeram das matérias de seus correspondentes no Brasil. Por isso ainda resistem a entender que o Lula foi o ideólogo da maior organização criminosa do país. Quando se discute a participação dos petistas na corrupção com empresários e políticos, a quebra das empresas estatais e o descontrole da economia, que derreteu o poder de compra do trabalhador, eles preferem ignorar tudo isso para se fixar na ideia do golpe. Ignoram que o vice, no impedimento do titular, pode assumir o governo. Está escrito na Constituição brasileira.

Eles não gostam de falar da colonização e da expropriação de seus países no continente africano. Do Berlusconi então os italianos fogem do assunto como o diabo da cruz. Preferem passar uma esponja no passado do milionário extravagante que vivia em festinhas com prostitutas e aliciava jovens para bacanais. Alguns falam em golpe, mas se confessam desatualizados com o que está acontecendo no Brasil. Habituaram-se a ouvir a versão dos nossos embaixadores e de militantes petistas que viajavam pelo ministério da Cultura para pregar contra o impeachment da Dilma. Conformam-se, contudo, quando são lembrados que o juiz Sérgio Moro é implacável contra a corrupção, a exemplo dos seus colegas da Operação Mãos Limpas que investigaram, em 1992, mais de cinco mil pessoas que mantinham relações ilícitas com empresários e políticos italianos. Prova disso é a prisão de Eduardo Cunha, de outros políticos, dos tesoureiros do PT, do Palocci e de grandes empresários no Brasil.
Muitos desses interlocutores desconhecem os movimentos que levaram milhares de pessoas às ruas para pedir a cabeça da Dilma e o fim da corrupção. Quando são explicados que os petistas roubaram o equivalente a 10 bilhões de euros das empresas públicas assustam-se, porque, por aqui, até centavos são catados nas ruas tal a valorização da moeda. Contudo, em um ponto concordam tanto nós, os brasileiros, como eles: o destino do Brasil ainda é incerto. Ainda existem muitas dúvidas quanto a competência de governar do atual presidente.

“Como se bota para fora um presidente eleito pelo povo?”. É o que mais se ouve nas rodinhas de conversa. Pelo mesmo motivo que os países europeus botam na rua os seus governos parlamentaristas: por incompetência e corrupção, sem ferir a Constituição. Muitos desconhecem, por exemplo, que o PT liderou o impeachment de Collor. E o Brasil, como agora, absorveu o afastamento dele e seguiu em frente, sem traumas, respeitando o estado de direito democrático.

Cheira a ingenuidade quando querem dividir o Brasil entre esquerda e direita, como são definidos com clareza os grupos políticos na Europa. Até se convencerem de que o PT, criado por um grupo de intelectuais, liderados por Lula, juntou-se ao que existe de mais podre na política do país. E de que o Lula sempre abominou a palavra esquerda para se posicionar politicamente. Portanto, ao se juntar aos banqueiros e grandes empresários, identificou-se com a elite que tanto combateu. No Brasil, explico, a esquerda é de botequim. Ela se dilui quando começa a engordar a conta bancária, como ocorreu com os petistas da República Sindical.

O debate só não vara a madrugada porque se exige dos comensais uma pausa para reflexão. Afinal de contas, um bom vinho, servido à mesa, não exige ideologia de quem degusta.

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