A prática de lutas ginasianas tinha uma ética própria. Depois que batia o sinal de saída, a dupla devia dirigir-se a um terreno baldio nos fundos da escola e, com um grupo de testemunhas, bater-se usando mãos e pés. Não era permitido dedo no olho, chute nos países baixos e uso de próteses – pedaços de pau, pés de carteira ou cintos objetivando enforcamento do contendor. Um companheiro colocava-se entre os pugnadores e avisava o momento de iniciar o bom combate.
Na minha primeira participação como pugilista, tudo aconteceu como descrevi acima. Com um pequeno, mas não desimportante detalhe: antes do “árbitro” declarar que a contenda devia começar, o meu adversário acertou meu queixo de vidro com um violentíssimo pontapé. Saiu vencedor e eu dali para a enfermaria do Bandeirantes.
O fato me faz recordar um dito italiano mencionado no ensaio “A hora das negociações é perigosa” de Montaigne:
“Fu il vincer, sempre mai laudabil cosa, Vincasi o per fortuna o per ingegno” (”É sempre glorioso vencer, deva-se a vitória ao acaso ou ao engenho).
A questão se aplica ao momento presente – e infelizmente também ao pretérito – do Brasil. Em especial à nossa cada vez mais combalida e envergonhante política. Merecem ser comemorados com status de glória êxitos atingidos através de uma roubada no jogo?
O famoso tratado do pensador francês relata que Alexandre, o Grande respondeu assim a um auxiliar que o instava a valer-se da escuridão da noite para atacar Dario: ”Não me parece digno roubar vitórias”.
Sim, há louros e desdouros. Uma medalha olímpica nos 100 metros rasos ganha com os próprios méritos físicos é bem diferente de outra auferida atracando-se a um competidor e aplicando-lhe uma cama de gato.
Desafortunadamente, a segunda alternativa é o que mais se vê por esses quintais. É necessário vencer a qualquer custo. E, para atingir o fim, é lícito até usar como meios a rasteira, o tapetão, a mentira e o deplorável fatiamento. Porque quem não vence, nem vencimentos merece.
Talvez por isso nunca conheci quem tivesse levado um bico nas fuças feito eu. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Pois é, Pessoa, é o que temos para o momento em terras de Santa Cruz e alhures: um poema em linha reta, sem nenhuma retidão.
E o mais aterrador é que o estádio, com lotação completa, parece esquecer-se rapidamente das fragorosas faltas na competição e vai se satisfazendo em apenas presenciar o espetáculo.
Apesar dos pesares, ainda sou mais o que o senhor de Montaigne nos escreve em sua reflexão, citando Quinto Cúrcio: “prefiro queixar-me da sorte a envergonhar-me da vitória”.
Carlos Castelo
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