O Supremo estará decidindo o assunto por esses dias. E peço vênia para lembrar que a tradição, no Brasil, foi sempre outra. A de que réus devem ser presos depois das decisões de segunda instância. Ninguém nunca reclamou disso. Ocorre que, em fevereiro de 2009, com o HC 84.078 MG, o Supremo converteu em letra morta a execução provisória da pena. Um ponto na curva, considerando sua posição histórica. Precisamente quando empresários, parlamentares e ministros começavam a ser presos no Mensalão (Ação Penal 470). Coincidência, provavelmente.
Chow Hon Lam |
Assim se deu até fevereiro de 2016. Quando o mesmo Supremo pacificou a questão com o HC 126292 SP. Só para lembrar, recursos, no Brasil, podem ter caráter suspensivo – caso em que a sentença não produz efeito. Ou ter caráter devolutivo – em que a sentença deve ser imediatamente cumprida. A execução provisória das penas sempre se deu com a decisão colegiada. Antes, com a Lei 8.039/90. E também hoje, com o Novo Código de Processo Civil (art. 995 e 1.029). Nada mudou. A sentença proferida por Tribunal se cumpre, com a execução provisória da pena. E a matéria pode (ou não) ser examinada, em seguida, por STJ e Supremo. Tendo, eventual recurso, efeito apenas devolutivo. Simples assim.
A Constituição jamais pretendeu, com aquela presunção de inocência, manter solto alguém já condenado. Trata-se apenas de um preceito moral. O papel que definiu, para o Supremo, foi outro. Fundamentalmente, o de uniformizar a jurisprudência. Por isso decidiu, em boa hora, que recursos com efeito meramente devolutivo não podem impedir o início do cumprimento de sentença penal. Por larga maioria de 7 votos (Cármen Lucia, Fachin, Fux, Gilmar, Luiz Roberto, Teori, Toffolli) contra 2 (Celso e Marco Aurélio). E o índice de condenações revistas por STJ e Supremo, segundo notícias dos jornais, é de só 1.1%. Quase todos os casos correspondendo à prescrição. Sem implicar, propriamente, no reconhecimento de que o réu é inocente.
Em 193 dos 194 países da ONU, réu condenado vai preso em decisões de primeira instância. Ou, no máximo, de segunda. Fim da conversa. É inconcebível sequer imaginar que sejamos o único país do mundo em que isso tenha que esperar por julgamento em terceira e quarta instâncias. Como bem disse Fernando Pessoa, “Não haverá, enfim/ Para as coisas que são/ Qualquer coisa assim/ Como um perdão?”. A simples ideia de que, no Brasil, ninguém possa ir para a cadeia antes da decisão do Supremo é, com todas as letras, um escárnio. Especialmente num momento em que grandes empresários, e grandes nomes da vida pública brasileira, começam a chegar perto das grades. Perigosamente perto.
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