quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Jango em Paris, quando ainda tinha esperança de viver

Faz 40 anos, neste setembro da 2016. Em 1976, acabada a Constituinte portuguesa (quando escrevi “Portugal, Um Salto no Escuro”, para a Francisco Alves), com vitória ao Partido Socialista de Mário Soares, iria começar a da Espanha. Viajei pela “IstoÉ” e “Correio Braziliense”. Antes dos comícios da Espanha, fui passar duas semanas em Paris e soube que o ex-presidente João Goulart estava na cidade, cuidando do sofrido e alquebrado coração. Estava hospedado no hotel Claridge (Champs Élysées, 74). Fui lá deixar-lhe um cartão com um abraço brasileiro. Saindo do hotel, encontrei o Carlos Castello Branco, do “Jornal do Brasil”, que fora conversar com ele. Estava preocupado: – O Jango não está bem, muito pálido e inconformado com o exílio.

Deixei um bilhete, com o telefone do hotel onde estava hospedado (o “Argentine”, ao lado do Arco do Triunfo). No dia seguinte, um recado do Presidente. Esperava-me para uma conversa. Conversamos horas. O Castelinho tinha razão. A ditadura militar estava assassinando Jango.


Resultado de imagem para jango

Talvez eu tenha sido inábil ao lembrar-lhe a história rocambolesca do hotel dele. O “Claridge”, onde tantas vezes me hospedei quando era no máximo de 200 dólares a diária, faz parte da história cultural, política e militar de Paris. Nele viveram artistas, escritores e generais alemães. Colette, a dama das letras, morou lá, como o cantor Maurice Chevalier. Quando Hitler invadiu Paris em 1940, o marechal Von Rundstedt, com seu ajudante de ordem o coronel Paulus, ocupou a suíte central , a mais bonita.

Finda a guerra, o diretor M Machenaud, serviçal e puxa saco, foi preso e executado pelas tropas de De Gaulle. Em agosto de 45 os nazistas derrotados foram substituídos por gente melhor, como Marlene Dietrich e Jean Gabin, a divina Edith Piaf, o automobilista argentino Manoel Fangio, Evita e Juan Perón, Ella Fitzgerald, Scott Fitzgerald, o poeta Ezra Pound, o cantor Ray Charles, a atriz Jane Mansfield, o ator Curt Jurgens, o cineasta Luis Buñuel, de novo Perón em 73, já agora com sua Izabelita.E Pavarotti. Jango espichava a dura perna direita, olhava os móveis e cortinas do bar, bebia mais um uísque, ficava calado e infinitamente triste. Ia morrer.


Voltei ao Brasil lendo a excelente biografia de João Goulart, bem documentada e sobretudo verdadeira, do professor e historiador Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPQ. Não era novidade para quem conhecia suas exemplares e convincentes pesquisas sobre o trabalhismo brasileiro: “O Imaginário Trabalhista – Getulismo, PTB e Cultura Política Popular”, “Prisioneiros do Mito – Cultura e Imaginário Político dos Comunistas no Brasil”, “O Populismo e sua Historia”.

Jango viajara para a Europa para fugir das ameaças que passara a sofrer na Argentina e tomar providências para encontrar uma residência em Paris, onde residiria até o retorno ao Brasil.

Em Paris, Jango encontrou-se com Abelardo Jurema e José Gomes Talarico, a quem pediu que procurasse Mário Soares para agradecer-lhe o convite para ir a Portugal. Não deveria aceitar, pelo constrangimento que causaria ao líder português, no início do mandato. Mas pedia que ele regularizasse a situação dos exilados brasileiros. Mário Soares manifestara preocupação com Brizola vivendo sob a ditadura uruguaia. E sugeriu que ele fosse para Portugal. Brizola foi.

O médico suíço concluiu que o coração de Jango era frágil como o de um homem de 80 anos, quando, na época, tinha 56. O médico francês disse que sem perder peso e parar de fumar a medicina nada poderia fazer:

-“Monsieur President, si on ne veut pas vivre, on ne vit pas.” (“Senhor Presidente, se não se quer viver, não se vive”)

Negava-se a parar de fumar. Escreveu para Cláudio Braga:

– “Estou concluindo exames com resultados bem razoáveis, especialmente considerando que não me sujeito a prescrições”.

Em dezembro de 76 Jango morria numa fazenda na Argentina. Por mais que fuçassem sua vida, os militares brasileiros e americanos nada encontraram para denunciá-lo. Seus ministros da Fazenda eram Moreira Sales e Santiago Dantas. Não eram o prisioneiro Mantega nem Palocci.

Nenhum comentário:

Postar um comentário