Para sermos dignos de tudo isto, temos de agir ungidos desta responsabilidade em nossas áreas de influência pessoal, cidadania e atuação profissional. O conhecimento e a ética da nossa megabiodiversidade devem começar pela escola básica e fazer parte tanto do currículo nacional comum, ora em discussão, como dos espaços livres das escolas. Os brasileiros precisam conhecer e entender desde crianças esta riqueza, sua magnitude e múltiplas possibilidades na vida das pessoas e da nação. Depois, eles devem contaminar a formação das diversas profissões no ensino técnico e universitário, envolver a pauta cotidiana dos paisagistas e viveiristas, e pautar as políticas de Parques e Jardins e de arborização das cidades. Tudo isto de forma que pratiquem esta diversidade ao máximo – nas dimensões de estudo, projeto, viveirismo, plantio e conservação, bem como da ética nas profissões e na cadeia produtiva que nos leve nesta direção nos domínios público e privado. As Universidades, centros de pesquisa e os Jardins Botânicos – hoje, em sua maioria, tão fechados em si mesmos, precisam se transformar em faróis da nossa megadiversidade, iluminando com sua proximidade e ação o espírito e a mente dos brasileiros, como já o são ESALQ, Inhotim, Instituto Plantarum, JB Rio, João Telles e algumas outras instituições e pessoas. É preciso reverter drasticamente a tendência apontada no estudo “Avaliação do estado do conhecimento da biodiversidade no Brasil” – do próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA), onde a maioria das pesquisas feitas no Brasil sobre as espécies está desconectada da busca das suas funções – social ou econômica.
Precisamos combater a monocultura das espécies e a mesmice paisagística, urbanística, ambiental e agrícola. Não sabemos o número de espécies de árvores brasileiras – uma das estimativas é de 25.000 apenas no domínio amazônico, 6.000 no Cerrado, em um total de mais de 40.000. Mas só ouvimos falar de oitis e ipês, com exceção de poucas cidades que praticam biodiversidade nativa – como Porto Alegre. O mesmo acontece nos grupos de palmeiras, arbustos, forrações e gramados.
Mais – a diversidade de funções dos jardins, algo também vital, abre-nos o portal do universo das ervas, especiarias, plantas medicinais e hortícolas, e também da agricultura urbana. Biodiversidade é importante também nas espécies agrícolas – não só nos biomas, em um mundo maluco onde 90% da população alimenta-se com base em menos de 20 espécies – entre cerca de 30.000 e que o Brasil detém cerca de um terço delas. Os passarinhos também são vitais – com sua alegria e sonoridade, na diversidade dos jardins, ainda mais se soubermos que temos 20% das espécies do mundo. Só a cidade de São Paulo abriga mais espécies do que toda a Europa.
Aqui, é preciso ressaltar o poder negativo das listas de espécies – tão pobres e tão discriminatórias, para qualquer coisa. Em arborização, é mais fácil listar o que é proibido, e trabalhar por tipos de árvores – em termos de porte, forma de copa, funções, características desejáveis, locais adequados e outros atributos. Listas devem ser livros de espécies, não uma simples página.
A importância da diversidade não se aplica apenas às espécies – mas também às paisagens. Não podemos ter uma repetição enfadonha da arquitetura dos condomínios da Barra da Tijuca, país afora, como se estivéssemos nos filmes “Mulheres Perfeitas”, “O Show de Truman”, ou ainda em um pesadelo soviético moderno. A arquitetura e o paisagismo brasileiros podem muito mais, eu desafio e confio. A força brasileira muito se baseia em seu caldeirão multicultural e na diversidade de tudo, inclusive biológica. Isto é, um enorme poder que nos traz a consequente responsabilidade de conhecer, celebrar e bem usar esta riqueza – responsabilidade, esta ainda maior para as classes profissionais envolvidas.
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