sábado, 4 de junho de 2016

Mais um julgamento para Sócrates

Em 399 da era antes de Cristo, Sócrates foi julgado por um grupo de 501 cidadãos, escolhidos por sorteio. Cabia ao próprio acusado defender-se.

O libelo contra o velho Sócrates era vago. Em suma, acusavam-no de corromper a juventude. Sócrates não era um pensador inofensivo. Ele possuía a coragem de dizer o que pensava.

Havia pouco, os atenienses “descobriram” a democracia. Tanto assim que batizaram a nova ideia, segundo a qual as pessoas deveriam manifestar as suas opiniões, a fim de que a sociedade caminhasse de acordo com a vontade da maioria de seus membros. Tratava-se de um conceito revolucionário. Não havia democracia no mundo antigo. Mandava o rei, o soberano, o sacerdote.

A democracia, contudo, trazia profundos desafios. O julgamento de Sócrates se relacionou precisamente a esse tema.

Sócrates não oferecia respostas. Seu famoso estilo consistia em questionar. Ele apresentava uma série de questões ao interlocutor e, a partir daí, chegava a novas conclusões. Muito popular entre os jovens, o filósofo incitava um importante questionamento: haveria, de verdade, democracia? Atenas era uma democracia ou os políticos (outra palavra de origem grega) tratavam o povo como um rebanho?

Segundo Sócrates, os humanos eram dotados de qualidades distintas e alguns gozavam da aptidão para liderar. Outros, não. Para Sócrates, o comando deveria ser entregue apenas aos competentes, assim como a filosofia ficaria ao encargo dos filósofos e os sapatos, aos sapateiros. Esse discurso era corrosivo. Tanto naquela época, quanto hoje.


Pode-se, ainda, dizer que o filósofo questionava a possibilidade de o povo, que ele metaforicamente chamava de gado, ser conduzido por políticos demagogos (mais um termo grego). A democracia, assim, poderia ser perigosa, pois um político hábil levaria a massa para onde quisesse.

Outra forma de ver a crítica de Sócrates era compreendê-la como um importante alerta: para votar, deve haver educação. A capacidade para se manifestar deve ser desenvolvida e aprimorada. O homem necessita de instrução, deve ser municiado de informação para que nele floresça um senso crítico. Sem discernimento, o povo torna-se um alvo fácil para a manipulação.

Mesmo sem uma acusação clara, Sócrates foi condenado à morte.

Antes de beber a amarga cicuta, cercado de seus discípulos, foi dado a Sócrates a opção de fugir da cidade — e, por consequência, escapar daquela condenação que a todos parecia injusta. O filósofo optou por respeitar o Estado e as suas ordens.

A democracia grega morreu pouco depois de Sócrates. Atenas foi dominada pela vizinha Esparta, onde jamais floresceu a democracia, e, depois, pelos macedônios. O governo do povo, ao menos formalmente, apenas voltou a existir com a Revolução Americana de 1776. Até hoje, a democracia não é uma conquista estabelecida na civilização.

Os recentes acontecimentos políticos que paralisam o Brasil reclamam um novo julgamento para Sócrates.

Se o filósofo estivesse aqui, certamente indagaria: existe democracia sem educação? É justo usar de escudo 50 milhões de votos contra qualquer acusação? O Congresso Nacional não foi eleito também pelo povo? Por que o povo ontem votou de uma forma, mas no dia seguinte vai às ruas reclamar de seu próprio voto? As campanhas para um cargo público visam a difundir ideias ou simplesmente a arrebanhar?

O futuro da democracia encontra-se intimamente ligado à educação. Sem um povo instruído, consciente da responsabilidade de seu voto, a democracia é uma farsa.

Há, ainda, outro ensinamento evidente: ainda que os derrotados, quem quer que sejam eles, sintam-se injustiçados, cabe a eles beber a cicuta.

José Roberto de Castro Neves

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