Não foi uma exceção. Rudolf Ivanovich Abel nunca reconheceu que era o chefe da espionagem soviética nos EUA, nem mesmo quando foi trocado pelo piloto norte-americano Francis Gary Power.
Como estes personagens, de “O homem que amava os cachorros” e “Uma ponte entre os espiões”, João Vaccari Neto é um militante disciplinado, mas tem uma ética diferente. Em vez de aguentar o tranco sozinho, quer que o Partido dos Trabalhadores assuma, formalmente, que os assaltos aos cofres públicos, investigados pela Lava-Jato e outras operações, foram feitos em nome da legenda e não por iniciativa pessoal de seus militantes. O mea-culpa do PT abriria a possibilidade de quem está preso assumir a sua cota, sem grandes dramas de consciência, entre eles o da “traição”.
A estratégia do “Foi a causa, companheiro” teria vários objetivos. O primeiro deles, claro, o de livrar a própria pele dos dirigentes presos, abrir uma possibilidade para que não passem o resto de suas vidas atrás das grades. Como isso aconteceria não se sabe muito bem. Não há o menor indicativo da Justiça quanto a um possível abrandamento das penas de Dirceu, Vaccari, André Vargas a partir de um pedido de desculpas do PT.
O pulo do gato estaria em outro movimento. O Partido dos Trabalhadores assumiria a culpa, mas se colocaria duplamente na condição de vítima. Tanto da “perseguição” da Lava-Jato, da qual seria o alvo final, como do próprio sistema político, ao qual os petistas apenas teriam aderido. Assim, o pedido de desculpas viria acompanhado da defesa arraigada da reforma política.
Culpar o sistema político pelos ilícitos cometidos serviria tanto para o público interno como para o público externo. É um discurso roto, esfarrapado, mas é o único ao alcance das mãos, para o PT tentar sobreviver à previsível hecatombe eleitoral de 2016 e de 2018.
Vaccari é o escudo de José Dirceu, por uma razão muito simples. O ex-tesoureiro é um homem de reputação ilibada nas hostes petistas. Na ética do PT, nunca fez nada de errado. Apenas cumpriu a missão que lhe foi dada, desviando recursos públicos para a causa e não em benefício pessoal, diferentemente de Dirceu e André Vargas, que cederam às “tentações burguesas” e locupletaram-se com o erário público.
Parodiando a Bíblia: para os petistas, Vaccari é o bom ladrão, já Dirceu e Vargas os maus, e não merecem o perdão.
A distinção entre o “bom” e o “mau corrupto” serve para consumo interno, para aplacar a militância, mas não resolve o problemão colocado à frente do PT. O tempo vai passando e o peso da cadeia começa a se fazer sentir. Vaccari está com 58 anos, tem como perspectiva uma pena de 24 anos. Ou seja, se tivesse de cumprir a punição integralmente sairia da cadeia com 82 anos! Não há horizonte para quem tem 70 anos e é condenado a 20 anos de cadeia, como é o caso de José Dirceu.
O sentimento de abandono, a rotina gris da vida carcerária, a irritação com o imobilismo petista, para utilizar uma expressão do próprio João Vaccari, e a pressão dos familiares podem dobrar os mais fortes, sobretudo em uma época em que não há mais ideologia e bandeiras para justificar o sacrifício. Elas foram enterradas pelo Partido dos Trabalhadores há muito tempo.
Vaccari mandou seu recado. Não tem vocação alguma para Ramon Mercader ou para Ivanovich Abel.
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