O abalo sísmico provocado pelo deputado Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara e ilustre desconhecido até anteontem, é emblemático de quanto chão temos pela frente até o Brasil se transformar em um país estável e de instituições fortes. Iniciar a travessia de um Estado patrimonialista, onde a política é uma intermediação de interesses subalternos, para um Estado verdadeiramente republicano será a prova dos nove para o vice-presidente Michel Temer.
As pedras colocadas no caminho são imensas. O país se modernizou e com ele as instituições permanentes do Estado, como o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Judiciário, cuja integração e eficácia são particularmente visíveis no combate aos crimes de corrupção e financeiro, como demonstram as operações Lava-Jato, Zelotes e Acrônimo.
Mas o mundo da política continua tão ou mais arcaico do que antes. Velhas práticas do clientelismo, do fisiologismo, do compadrio e do patrimonialismo se encrustaram no Estado, com o agravante de terem se associado a um projeto de poder escuso, responsável pelo maior assalto à coisa pública de nossa história.
Michel Temer encontra-se diante de uma encruzilhada. Se trilhar a estrada antiga, começará seu governo de maneira fragilizada, ficará refém de um modelo político esgotado e esclerosado, o tal “presidencialismo de coalizão” à moda petista.
Por aí, será mais do mesmo. Como tragédia anunciada a crise se agravará por melhor que seja sua equipe econômica. O resgate da credibilidade da política econômica passa, necessariamente, pelo acerto no campo da política, propriamente dita. Se ignorar essa lei, o novo governo estará fadado ao fracasso.
Não está dado, porém, que este seja seu destino. Apesar do vai e vem do provável futuro presidente, há sinalizações de que ele pode enveredar por uma trilha mais promissora. São indicativos disso sua disposição de fazer um pronunciamento à nação defendendo a operação Lava-Jato e o anúncio de que comporá um ministério mais enxuto.
É certo que na política Temer está sendo reativo, impulsionado por uma opinião pública cada vez mais exigente. Por instinto de sobrevivência, ou não, isto pouco importa para efeito da análise, o fato é que ele procura entrar em sintonia com uma sociedade onde a indignação, ao contrário de outros momentos, não deu lugar à apatia.
Mas reagir já é alguma coisa em um país onde a presidente deu as costas ao povo e, arrogantemente, ignorou o grito das ruas. Também não deixa de ser positivo que na hora H o Congresso Nacional tenha entendido o recado dado por milhões e milhões de brasileiros.
Se tiver disposição de ir adiante, Temer poderá se beneficiar de outro fator. A suspensão do deputado Eduardo Cunha e o desfecho do affaire Waldir Maranhão diminuíram o poder de barganha do baixo clero, que deve passar por um momento de desarticulação.
Há, portanto, condições para o futuro presidente por limites à voracidade da constelação partidária, de não ceder ao balcão de negócios, de não ficar prisioneiro da chantagem do toma-lá-dá-cá a cada votação de interesse do Executivo.
Sejamos claros: o balcão só prosperou nestes treze anos porque havia alguém do outro lado disposto a comprar as facilidades que os deputados se dispunham a vender. Os governos lulopetistas suprimiram a política e adotaram uma relação meramente mercantilista com os parlamentares, afrontando, assim, a autonomia do próprio Congresso Nacional.
O que se exige de Temer é a mudança desse padrão. É a adoção de outro valor.
É ilusório crer que faremos um parto indolor, na direção de um país de instituições sólidas, de um Legislativo que se dê o respeito e por isto mesmo seja respeitado, de um Executivo que não faça da cooptação sua forma de construir maioria no Parlamento.
Será um parto longo e extremamente dolorido, algo mais próximo ao parto da girafa, que leva 15 meses para acontecer, mas o filhote, quando nasce, já sai andando.
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