terça-feira, 8 de dezembro de 2015

República da barganha

A crise econômica, ambiental e política que nos atinge pesa especialmente sobre o povo pobre, que sofre a violência do desemprego e da perda do poder de compra dos salários. Mais que Dilma e Cunha, ela pode ser personificada, de forma trágica e letal, em Roberto, Carlos Eduardo e Cleiton, de 16 anos, e Wesley e Wilton, de 20. Eles são os meninos chacinados pela saraivada de balas da Polícia Militar, em Costa Barros, subúrbio do Rio, semana passada.

Enquanto isso, vivemos a mais aguda degradação do nosso sistema político, com o crescente desencanto da população em relação aos parlamentos e aos partidos, quase todos capturados pelas grandes corporações econômicas e corrompidos pelo assalto aos cofres públicos, o clientelismo e a demagogia.

Processo de impeachment, que pode culminar no ato mais extremo da dinâmica política legal - a destituição do governante -, tem previsão constitucional. Mas este, decidido por Eduardo Cunha, o ilegítimo presidente da Câmara dos Deputados, foi construído em ambiente de chantagens mútuas. Tudo no marco da barganha da qual todos os grandes partidos participaram: foi assim com PSDB e DEM, até perderem a paciência com Cunha na demora do seu ok ao impeachment; foi assim com o PT, com medo da decisão que o ainda presidente da Câmara afinal tomou. Tem defeito congênito posição de tal monta tomada por quem abusa de suas prerrogativas para salvar mandato atingido por denúncias robustas de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e ocultação de bens.

Agora, o vice Michel Temer precisa dizer se fez um acordo com a oposição conservadora para, em caso de assumir a presidência, não disputar a reeleição. Política digna do nome não pode ser orientada por acordos de bastidores, que ninguém assume publicamente. Isso é prática de ‘republiquetas’.

As ‘pedaladas fiscais’ que embasariam o afastamento da presidente da República não têm substância para destituir quem detém mandato eletivo. Governos estaduais de diversos partidos também as praticaram. E, convenhamos, tirar Dilma para colocar Temer em seu lugar significaria aprofundar uma “ponte para o futuro” construída com os materiais apodrecidos do presente.

As saídas da crise só virão com ampla mobilização popular em torno de reformas que instituam um novo modelo econômico, soberano, igualitário e ambientalmente sustentável. E um sistema político que radicalize a democratização do país (através da qual as maiorias sociais possam se tornar as maiorias políticas) e a transparência republicana, melhor antídoto à corrupção sistêmica.

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