Formalmente, a tramitação do impeachment deverá gravitar em torno de acusações de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, ainda que o desfecho do processo possa acabar sendo altamente influenciado pela mobilização da opinião pública com a possibilidade de afastamento da presidente.
Aos trancos e barrancos, o debate evoluiu. E há hoje percepção cada vez mais clara de que as acusações formais são mais do que suficientes para justificar o impeachment. O que se viu, em 2014, foi uma acintosa operação de dissimulação, cuidadosamente concertada, para esconder do eleitorado a alarmante deterioração das contas públicas. E no afã de dissimular o descalabro, o Planalto se permitiu recorrer a estratagemas que configuraram graves e reiteradas transgressões da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Apesar de todas as pressões por pronta reorientação da política econômica, inclusive de parte do próprio PT, a presidente insistiu em conservar a mesma equipe até o último momento. No sufoco de um embate eleitoral bem mais difícil do que esperava, a candidata entendeu que não poderia abrir mão de um comando fazendário que não titubeasse diante do desafio de manter, a qualquer custo, a gestão fiscal que a campanha da reeleição parecia exigir.
Em longa matéria sobre as pedaladas fiscais, no “Valor” de 11/12, Leandra Peres menciona a lamúria do ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, ao saber que, afinal reeleita, Dilma decidira entregar o Ministério da Fazenda a Joaquim Levy: “Fizemos tudo o que ela pediu, e agora ela nomeia o Levy? Isso não vai dar certo. Eu a conheço”.
Não há como negar. Arno Augustin, de fato, a conhecia. E anteviu o que ocorreria. Nem bem passado um ano, quem hoje tem razões para se lamuriar é Joaquim Levy. Tendo se esfalfado para propiciar um simulacro de credibilidade à política econômica da presidente Dilma, Levy termina o ano definitivamente derrotado por Nelson Barbosa, o mestre arquiteto da nova matriz macroeconômica. Nada mais lhe resta do que pressagiar, como Arno, mas por razões distintas, que “isso não vai dar certo”.
Não vai mesmo. No seu desespero com o impeachment, Dilma não teve melhor ideia do que reabrir o guichê de distribuição de benesses fiscais a governos subnacionais, abandonar de vez qualquer veleidade de levar adiante um esforço crível de ajuste fiscal e encaminhar, ao Congresso, proposta que, na prática, implicaria redução a zero da meta de superávit primário de 2016.
A esta altura, já não é mais preciso gastar papel, tinta e tempo dos leitores para alertar sobre os prováveis desdobramentos dessa nova e ostensiva explicitação de falta de compromisso da presidente Dilma com a sustentabilidade fiscal. A segunda e decisiva perda do grau de investimento é só o começo do que vem por aí.
Não falta, no governo, quem esteja alarmado com isso. Mas o Planalto parece entregue ao imediatismo. Para quem está prestes a se afogar, o que importa é o próximo minuto. Não existe amanhã.
O problema é que a tramitação do impeachment promete ser lenta. E, em meio à incerteza sobre seu desfecho, não será fácil recrutar um novo Levy, que possa disfarçar o fato, inegável, de que, 12 meses após ter iniciado seu segundo mandato, Dilma decidiu voltar às origens, abrigar-se entre os seus e entregar a condução da política econômica a Nelson Barbosa, com quem compartilha convicções estapafúrdias sobre as possibilidades de condução da política econômica.
Já não há mais espaço para autoilusão. É com essa dura realidade que o país terá de conviver nos próximos meses.
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