‘Dar concessão é um dos maiores perigos que uma nação pode criar a si mesma... Abramos os olhos contra tudo que tiver aparência de concessão, quer a nacionais, quer a estrangeiros”. Primitivo e autoritário, Arthur Bernardes governou o país sob estado de sítio durante quase todo o seu mandato, de 1922 a 1926.
Entre o final do século XIX e o início do XX, toda a infraestrutura de serviços essenciais foi implantada pela iniciativa privada, sob o regime de concessão, nos grandes centros urbanos brasileiros — transporte, eletricidade, gás, telecomunicações, urbanização etc. A desídia do governo em regular tecnicamente esses serviços determinou o primeiro o colapso financeiro das ferrovias paulistas, que levavam o café do interior do estado ao Porto de Santos, e a seguir das demais concessões à iniciativa privada.
Ao final dos anos 30, a estatização da prestação de serviços públicos (aí incluída a compra pela União de concessionárias falidas) passou a ser vista e defendida por inevitável. Apoiada pelas Forças Armadas e por expressiva parcela da elite empresarial nativa, afirmou-se a noção de que as riquezas naturais do país (e os serviços públicos por extensão) constituíam o patrimônio redentor de nosso subdesenvolvimento crônico, e a sua preservação, em mãos do Estado, seria indispensável à soberania do país.
A exploração dessas riquezas não poderia ser deixada ao capital privado estrangeiro, que iria delas se beneficiar abusivamente, desprezando o interesse nacional. Mesmo o capital privado local não afastaria a solução estatal.
Sobre o conúbio que então se formou — e iria durar, entre a direita, à qual nada na sociedade deveria fugir ao seu controle, ainda que remanescesse em mãos privadas parte do capital, e a esquerda, que via no avanço do Estado a resposta à sua prédica ideológica — dominava, na verdade, a ignorância, nem sempre intencional, da realidade econômica e jurídica do país.
Aureolado por uma onisciência a si próprio outorgada, que lhe nutre um incontido voluntarismo, o Estado brasileiro — de fato,o governo — converteu-se no tutor das forças econômicas, no árbitro do interesse público, no senhor do desenvolvimento econômico e no guardião máximo da soberania nacional, cego à experiência mundial, sobretudo à verificada ao final do século passado.
No momento em que o país dramaticamente busca recursos, abundantes no exterior, para investir em nossa obsoleta infraestrutura, em editorial O GLOBO (24 de outubro de 2015) mostra a resistência dessa cultura. Recente proposta, elaborada para atrair investimentos privados, sugere a criação de uma — mais uma — empresa estatal, para conduzir esse processo.
A nossa cultura política está ainda muito próxima ao ideário do presidente Bernardes.
Pedro Dutra
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