sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Liberdade ameaçada


Talvez não exista na literatura jurídica internacional garantia mais sólida para a preservação da liberdade da imprensa do que a Primeira Emenda à Constituição dos EUA:

"O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”.

É notável a objetividade do direito anglo-saxão assim como a tradição no reconhecimento do papel vital da liberdade de imprensa como parte constituinte de qualquer estrutura democrática digna desse nome.

Em outras palavras: não pode haver democracia sem liberdade de imprensa.


A Constituição brasileira de 1988 também garante plenamente o exercício da liberdade de imprensa e de expressão e garante também o direito de resposta, remetendo ao Código Penal em vigor (crimes de calúnia e difamação, em honra e reputação-subjetiva e objetiva).

A antiga Lei de Imprensa, editada durante o regime militar, foi considerada extinta pelo Supremo Tribunal Federal, ultrapassada que foi pela CF 88, mas como ela estabelecia um rito para o exercício de direito de resposta, o rito acabou sepultado junto com ela.

Os legisladores consideraram que ficou faltando o estabelecimento de normas e ritos mais claros para o exercício de direito de resposta, e aproveitando-se da omissão da própria imprensa em cuidar de auto regulamentar-se para cobrir essa lacuna, criaram uma lei cuidando de potencializar a salvaguarda de seus próprios interesses.

A Lei do Direito de Resposta, de autoria do senador Roberto Requião, repete o pecado de muitas das leis formuladas pelo nosso Legislativo: mal formulada, ambígua, deixa espaço para todas as intepretações possíveis. E estabelece um rito extremamente desigual, em prejuízo dos direitos das empresas de comunicação, tanto que a OAB está contestando a sua constitucionalidade no Supremo.

O artigo 2o, em seu parágrafo 1o, pode dar margem a interpretações tão elásticas, que acaba, a rigor, estabelecendo uma espécie de delito de opinião, que a Constituição teve o cuidado de evitar:

“Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social independentemente do meio ou plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação.”

As notícias sobre os depósitos na Suíça atentam contra o conceito, o nome ou imagem de Eduardo Cunha? Se um produto qualquer for recolhido ou proibido pela Vigilância Sanitária a notícia sobre essa apreensão atentará contra o conceito e a marca doproduto ? Inequivocamente sim. Mas o que fazer? Deixar de publicar a notícia?

Não por acaso, os dois primeiros políticos que manifestaram a intenção de recorrer à nova lei, são exatamente Eduardo Cunha e Delcídio Amaral, citado pelo delator Fernando Baiano como beneficiário de uma propina entre R$ 1 milhão e 1,5 milhão na Operação Lava Jato.

O direito de resposta já foi oferecido aos dois acusados pelos próprios meios de comunicação que publicaram a notícia. Mas ao recorrer à Justiça, o que eles querem não é dar a sua versão sobre os fatos, mas impedir que as denúncias sejam publicadas.

A Lei do Direito de Resposta, pelas suas imperfeições, é uma claríssima ameaça à liberdade de informação e de expressão.

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