quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Democracia abalada

O dia a dia da análise política muitas vezes deixa escapar a ligação entre fato, conjuntura e estrutura. O primeiro diz respeito a ações isoladas dos atores políticos. O segundo diz respeito a um período de curto e médio prazos, no qual o conjunto das ações politicas está condicionado por algumas circunstâncias. E o terceiro envolve o desdobramento de determinadas conjunturas em um processo de longo prazo. Neste sentido, e com esta perspectiva, discordo da maioria dos analistas políticos no que se refere à relação da crise atual (conjuntural) com o funcionamento da nossa democracia (estrutural) à luz de elementos factuais.



O que diz a maioria dos analistas é que não estamos, ainda, diante de uma crise institucional e, por consequência, com as instituições em funcionamento, a democracia não está afetada. Como já argumentei neste espaço (“Estresse institucional”, 16/09/15 ) nossas instituições estão funcionando sim, mas dentro de um jogo de estica e puxa que, além de desmontar o que pode ser considerado como microinstituições, põe a todo instante em xeque a interpretação dos princípios abstratos macroinstitucionais.

A chegada de Lula ao poder representava o grande teste para a democracia brasileira, e como houvera sido sinalizado em 2002, esperava-se que o governo de esquerda proporcionasse avanços sociais para os menos favorecidos, mas que mantivesse o compromisso com a estabilidade e a modernização da economia, e sequer suspeitava-se que o aparelhamento do Estado para fins escusos fosse levado a tal ponto. Muito menos que a resultante fosse o desmantelamento da representação partidária, o retrocesso econômico que ora ameaça os justos avanços sociais obtidos e um quadro de completa ausência de liderança.

A lista dos fatos que corroboraram para que se chegasse a esta situação é imensa. No rol da corrupção temos desde Waldomiro Diniz até o escândalo da Petrobras. Na economia, o escamoteamento do rombo fiscal, no campo político, a proliferação de siglas que nada representam a não ser a acomodação de interesses a uma estratégia de sobrevivência eleitoral.

O resultado de tudo isso é que o sistema jurídico precisou inovar para dar resposta a situações não previstas em seu ordenamento, o quadro econômico exige medidas que fatalmente causarão algum prejuízo aos menos favorecidos, e o futuro presidente terá que contar com a imprevisível recomposição do quadro partidário, para que mecanismos do presidencialismo de coalizão voltem a funcionar.

Por estes motivos, acredito que o grande teste da democracia brasileira foi um relativo fracasso. Relativo porque, embora não se tenha chegado ao ponto em chegaram muitos de nossos vizinhos, houve uma tentativa de submeter as instituições à logica de um partido que não convive bem com o pluralismo.

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