Para quase todos nós, se continuar piorando só fica mais doloroso mesmo, e tudo o que queremos é que as coisas melhorem. De verdade e para valer, sem ilha de fantasia, sem slogan, sem mentirada de marqueteiro em programa eleitoral.
Considerando que a rejeição à presidente anda nas nuvens, e sua aprovação está no fundo do poço, não é exagero afirmar que para a grande maioria da população brasileira, quem está fazendo tudo a seu alcance para que as coisas piorem cada vez mais é o governo. Se é que tamanho desgoverno pode assim ser chamado.
Quem perdeu a credibilidade e produz instabilidade é o comportamento errático e randômico, imprevisível e ilógico dos que deviam governar o país, e com essa obrigação foram eleitos. Para isso, ganharam nas urnas, embora atestassem sua cegueira para a realidade ao recusar o que mostravam todos os índices, os inúmeros jornalistas agredidos por isso, qualquer economista que não fosse de suas hostes e até mesmo o singelo relatório da pobre analista do Santander — cuja cabeça teve de ser sacrificada às certezas descoladas dos fatos, sempre prontas a xingar a matemática, acusando-a de neoliberal ou rudimentar.
Quem piora a situação quando cala ou quando fala é o descontrole nascido da irresponsabilidade, da falta de transparência e da teimosia em fingir que sabe tudo para esconder a incompetência, juntando tudo isso num jogo de improviso permanente, que a cada instante volta atrás e desdiz o que disse, partindo para outra.
Basta ver quem foi que há pouco enviou ao Congresso uma proposta de orçamento deficitário, num movimento a meio caminho entre a chantagem aos parlamentares e o alerta às agências de classificação de risco para o tamanho da paralisia oficial. Consumada a perda do grau de investimento, consequência lógica, quem lançou o balão de ensaio da volta da CPMF com a desculpa de financiar a saúde?
Quem recuou em seguida? Quem daí a pouco voltou a trazer à mesa essa carta, dizendo então que era para a Previdência, em alíquota de 0,2%? Quem, horas depois, já falava em 0,38%, agora para dividir com os governadores, comprar sua eventual influência junto aos congressistas e estimular a irresponsabilidade fiscal nos estados?
Quem no meio de tudo isso autoriza que o palácio renove sua prataria enquanto desautoriza o ministro da Fazenda, deixando-o ser atacado pelas bases do partido? Quem, do nada, a esta altura, deixa um quadro ligado ao MST interferir para reduzir a autonomia dos militares ou lhes tirar o controle sobre a formação de seus oficiais?
Quem só sabe negociar com o Congresso lhe oferecendo mais do mesmo: prometer o que não vai cumprir e acenar com vantagens e verbas? Quem, em quase 13 anos no poder, não se mexeu para fazer qualquer reforma profunda num orçamento engessado, com gastos vinculados aos reajustes do salário-mínimo e uma previdência que só tinha alguma chance graças ao gatilho do demonizado fator previdenciário?
Quem sempre acusou os outros de arrogantes, metidos a sabichões que podiam explicar tudo, mas jamais se deu ao trabalho de pedagogicamente explicar à população a situação da Previdência nem mostrar que acabar com privilégios, pensões imerecidas e outros abusos não pode ser confundido com perda de direitos trabalhistas?
Quem não convence mais nem consegue explicar nada (e por respeito não menciono a mandioca e outras gracinhas) pelo simples fato de que não consegue entender? Quem não percebe que o problema está na dívida pública crescente, nas despesas obrigatórias irreais, na política de estímulos de gastos, em nossos índices ínfimos de produtividade?
Mesmo discordando quanto aos remédios e tratamento deste pobre Brasil, não dá mais para ignorar os resultados dos exames nem se recusar a ver que pode ser correto o diagnóstico que eles apontam. Se o governo quer se suicidar, não pode exigir nossa cumplicidade nessa maluquice.
Sabemos que a democracia foi conquistada a duras penas. A estabilidade da moeda também. Custa reconhecer? Contestar as trapalhadas dos governantes que nos levaram a este atual estado é uma forma de amar o Brasil: não é se identificar ao golpe de 64, nem servir à ditadura ou não ter história democrática, como ofensivamente quer fazer crer o líder do governo, nessa conversa de que a oposição quer cutucar a onça com vara curta. Isso não dá para admitir. É uma provocação.
Bicho por bicho, já que a vaca foi pro brejo e estamos dando com os burros n’água, é bom se perguntar quem é a barata tonta, quem parece cabra-cega e quem é mesmo que está cutucando a onça desta nação com vara cada vez mais curta.
Ana Maria Machado
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