As palavras no muro
Adam Smith escreveu, em 1776, que "cada imposto" representa, para os que o pagam, "um emblema de liberdade, não de escravidão". Ele tinha em mente o conceito de contrato social: uma relação de legitimidade vinculando governantes e governados. Anos antes, a Revolução Americana começara como uma revolta de colonos contra os impostos. "Não à tributação sem representação" –a bandeira dos revoltosos apontava a ilegitimidade de atos tributários decididos por um Parlamento distante, que não abrigava representação das Treze Colônias. Dilma Rousseff deveria refletir sobre essa história, na hora em que busca, pela via tributária, uma saída para a quadratura do círculo de seu Orçamento deficitário.
Nos EUA, usa-se a expressão "taxpayer", o "pagador de imposto". No Brasil, "contribuinte", o que é uma aula inteira sobre as relações estabelecidas entre o Estado e a sociedade. O tributo, na versão americana, é "imposto", termo que implica uma tensão essencial: a "imposição" só será aceita se o poder for visto como legítimo. Por aqui, a tensão se dissolve no próprio domínio da linguagem: os indivíduos "contribuem", voluntariamente, para um Estado que não lhes deve explicações. A "contribuição" não é, no caso, "um emblema de liberdade", mas a naturalização da "escravidão". Hoje, porém, para azar de Dilma, os "contribuintes" parecem decididos a falar inglês, convertendo-se em "pagadores de imposto".
A tributação é um ato político tão distintivo quanto o voto. A definição do valor e da incidência social dos impostos solicita, nas democracias, a busca de um mínimo de consenso. Para obtê-lo, o governo precisa cercar-se de argumentos persuasivos e de sólido embasamento técnico. Dilma, porém, está à caça de R$ 30,5 bilhões, o tamanho do buraco no Orçamento. No lugar de uma proposta amparada na noção de justiça tributária, seu governo lança redes afoitas ao mar. Tentando restaurar a CPMF (registre-se o nome: "contribuição"), apelou à mentira, sua companheira de cama e mesa. Agora, numa admissão tácita de que a invocação da "saúde" era só uma alegação oportunista, esboça aumentar as alíquotas do IPI, do IOF e da Cide ("contribuição", ela também), enquanto ensaia a elevação do Imposto de Renda. Nessa trajetória, ao menos, dissolveu uma narrativa lendária: de mestre carpinteiro que entalharia relevos delicados nos gastos e receitas, Joaquim Levy reduziu-se a um ávido, atabalhoado, cobrador de impostos.
"Não à tributação sem representação", está escrito no muro da história. O dilema é de legitimidade: os eleitores não se sentem representados por um governo que traiu o voto e, imerso no fabuloso escândalo do petrolão, quer cobrir com impostos o poço perfurado pela irresponsabilidade fiscal. Quem, exceto néscios incuráveis e governistas profissionais, pode criticar o Congresso por resistir à ofensiva dos mercenários da tributação aleatória?
Há meses, o país pede a Dilma a admissão dos erros de política econômica do primeiro mandato. Não seria "penitência cristã" ou "autocrítica comunista", explicou FHC, mas um gesto tão ousado quanto indispensável. De um lado, pelo recurso inédito à verdade, propiciaria a recuperação de uma réstia de legitimidade. De outro, por meio de uma revisão doutrinária, ofereceria algumas certezas sobre os rumos do segundo mandato. Surda, a presidente prefere zombar de todos, atribuindo a crise a uma súbita, imprevista, mudança na conjuntura externa e, mais ainda, insistindo no conto infantil de que errou por fazer o bem.
Dilma não pode admitir o erro de fundo porque não está disposta a romper com suas crenças ideológicas e, sobretudo, para não romper com o lulopetismo. Presa na dupla teia, tornou-se escrava de seu fracasso, que condena o país à espiral recessiva. O governo já não pode tributar, pois tornou-se incapaz de representar.
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