Há muita especulação no ar. Que o clima está fervilhando, não há dúvida. Que Dilma é a mais impopular presidente da República da história republicana, também procede. Que Lula tem receio de que as coisas cheguem a seu colo, é bem provável. Que o pacote fiscal do governo, desidratado pelo Congresso, prolongará a recessão econômica, é quase certeza. Que a presidente poderá ser condenada pelo Tribunal de Contas da União pelas “pedaladas” fiscais, é possível. Que o Tribunal Superior Eleitoral tome a decisão de desaprovar as contas de Dilma e Michel Temer, é uma tese a se levar em conta. Que o mesmo TSE possa separar as contas da presidente das contas do vice-presidente, desaprovando uma e aprovando outra, é alternativa viável. Que as delações premiadas continuarão a puxar políticos para o meio do furacão, é uma reta à vista.
Mas a política é balizada, como se sabe, pelo Senhor Imponderável Curvilíneo da Silva. Curvilíneo, em função da montanha de dúvidas que o jogo político oferece, e Silva, pela crença popular na única hipótese que escapa à imponderabilidade: o mar não está prá peixe.
A começar pelo Silva do sobrenome do ex-presidente Luiz Inácio. A certeza é que o carismático (?) Lula está nervoso, à procura da melhor saída do atoleiro em que se encontram o PT, o governo Dilma e ele próprio. Quanto a uma eventual cena de Lula com as mãos para trás, embarcando num camburão da PF, trata-se de um desfecho que só o Senhor Curvilíneo explica, a começar pelas circunstâncias, os depoimentos consistentes dos delatores premiados, a efetividade de provas de que circulou pelo propinudoto da Petrobras, a força (?) do carisma, a aprovação/desaprovação das ruas etc.
Sabe-se que, a depender do juiz Sérgio Moro, não haverá argumento que o livre da convicção de que todos os que frequentaram os desvãos da Petrobras deverão atravessar as salas da PF em Curitiba. Quem quiser conhecer o roteiro do juiz Moro, basta ler seu trabalho sobre Considerações sobre a Mani Pulite, onde descreve os passos da Operação italiana, com destaque para a independência e a coragem dos promotores e juízes, a imagem desgastada da esfera política, o apoio da opinião pública, o papel da imprensa, as vantagens da delação premiada, a amplitude da investigação, os resultados alcançados, entre outros vetores. Moro se imbuiu da “missão divina” de limpar o Brasil da sujeira por cima e por baixo do pano. Pelo visto, não fraquejará, indo até o fim e deixando aberta a possibilidade de condenar pessoas do mais alto calibre. Na Mani Pulite, foram condenados quatro ex-primeiros ministros.
Quanto ao impedimento da presidente Dilma, o argumento mais sólido, até o momento, é que falta o leit-motiv, o fato deflagrador para a decisão, algo como a prova concreta de recebimento de propina, coisa desse tipo. O domínio de fato, que inspirou decisões no STF por ocasião do julgamento do mensalão, é afastado do processo do petrolão. E por enquanto, não há indicação do envolvimento pessoal da dirigente na lista de propineiros. Outro argumento de vulto é sobre os atos cometidos no primeiro mandato da presidente. Não poderiam ser transportados para o segundo, apesar de teses contrárias, em menor escala, de que o governante, em dois períodos de quatro anos, é uno, não podendo repartir sua identidade. Mesmo se a situação comportasse tais abordagens, o affaire se prolongaria até o término do mandato na esteira de um denso contencioso jurídico.
Quanto às pedaladas fiscais, que teriam sido por ela cometidos, persiste a informação –procedente – de que outros governos teriam cometido o mesmo erro, particularmente as administrações de FHC e Lula. Ademais, a imagem do TCU, um ente com viés político, padece de corrosão face à suspeição de intermediação envolvendo o filho do presidente Aroldo Cedraz.
Se a questão das contas de campanha entrar na agenda do TSE, haveria duas vertentes a se considerar: uma, que a chapa Dilma/Temer, comprovando-se uso de caixa dois, seria cassada; outra, que as contas da presidente e de seu vice seriam separadas, na medida em que os dois apresentaram contas separadas ao Tribunal, cada qual com doações, receitas e despesas devidamente arroladas. Nesse caso, as contas da presidente, em caso de desaprovação, poderiam ensejar um pedido de impeachment no Parlamento.
Ora, todas as hipóteses baterão nas casas da representação política. Como se sabe, a decisão de afastar um mandatário, em qualquer nível, ingressa na esfera político-parlamentar. Os representantes, porém, costumam atrelar suas decisões ao momento social do país, o que significa avaliar demandas e carências da comunidade, ouvir o grito das ruas, sentir a indignação das massas. Esse poder acabará fazendo eco nas instituições políticas. E como decide o político?
Com um olho no cargo, outro nas ruas. Os postos na administração pública seguram os votos a favor ou contra o governo. Nesse ponto, a dúvida persiste: em tempos de vacas magras, o que o governo pode distribuir? A divisão de comandos na administração saciará o apetite de todos os partidos da base? O governo tem munição para enfrentar a luta por cargos, quando ele mesmo pensa em cortar o número de Ministérios, hoje somando 39? A economia é a locomotiva da política. Se a locomotiva não tem combustível, o trem para. Aos ocupantes dos carros, resta ouvir o clamor da turba. Se o caso for esse, os representantes tomarão distância do Executivo, fazendo fila para contestar a chefe do Executivo. E quando dirigentes das casas representativas entram na lista de suspeitos envolvidos na Mani Pulite brasileira? Eis o imbróglio que dá vida à Sua Excelência, o Senhor Imponderável Curvilíneo da Silva, cujo sobrenome exprime a única certeza que se tem: a crise vai longe.
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