segunda-feira, 10 de agosto de 2015
História mal contada
A História está mal contada. Literalmente. Para subsidiar o relatório final da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RJ), pesquisadores da PUC-Rio se debruçaram sobre 20 de 40 livros da disciplina indicados pelo governo a alunos dos ensinos fundamental e médio. O grupo analisou o conteúdo relacionado ao período da ditadura militar. O resultado decepcionou. A tortura dos presos políticos é abordada superficialmente; as sucessões presidenciais e os Atos Institucionais são enfileiradas em ordem cronológica, sem contextualização; faltam informações sobre o ambiente sociopolítico que antecedeu o golpe de 1964. Não há referência às violações dos direitos humanos nem à luta por anistia e Justiça de transição. São lacunas que explicam muito do Brasil de hoje, três décadas após a redemocratização.
Todas as edições avaliadas pelo grupo coordenado pelo professor José Maria Gomez integram o Programa Nacional do Livro Didático. É via PNLD que o Ministério da Educação influencia o projeto pedagógico das escolas brasileiras. Os vácuos deixados tanto nos livros quanto na formação professores interferem no que os pesquisadores chamam de ferramentas para a não repetição. “A escola tem o papel de analisar de forma exaustiva e pertinente a ditadura e tudo o que ela significou, não só naqueles 21 anos, mas também na História atual do Brasil. Se olharmos os laços do passado com o presente, entenderemos como a violência política da ditadura se relaciona com a violência policial hoje. A compreensão daquele período é fundamental para que experiências autoritárias não se repitam”, explica Gomez.
Nos livros de História, chamou atenção, em particular, a falta de menção aos direitos humanos. O tema só aparece em títulos de Sociologia. Quase nenhuma publicação trata da repressão do regime a trabalhadores, camponeses e indígenas. São raras as referências aos atentados planejados e executados pelas Forças Armadas. Mortes e desaparecimentos de presos políticos são abordados genericamente, embora nos últimos anos a apuração dos crimes tenha avançado. Prova disso são a Comissão Nacional da Verdade, cujo relatório final foi publicado em 2014, e a multiplicação das comissões estaduais.
Os nomes dos livros, segundo o professor Gomez, não serão divulgados, porque a intenção da pesquisa não é constranger os autores, mas fazer recomendações para políticas públicas de educação e memória. Uma delas é ampliar o conteúdo dos livros; outra, incrementar a formação continuada dos professores com resultados de investigações recentes sobre o regime militar. Há a ideia de instituir no Estado do Rio o 28 de março como data dedicada às reflexões sobre violações de direitos humanos. Naquele dia, em 1968, o secundarista Edson Luís de Lima Souto foi assassinado por policiais militares do Rio durante a invasão do Calabouço, um restaurante estudantil da capital.
O projeto “Políticas públicas de memórias para o Estado do Rio: pesquisas e ferramentas de não repetição”, da PUC-Rio com financiamento da Faperj, engloba outras dimensões. Será elaborado um livro com localização e história de 90 pontos de repressão e resistência. Vinte e três espaços de dispositivos repressivos já foram mapeados, entre eles DOI-Codi, DOPS, Casa da Morte (Petrópolis). Ypiranga Futebol Clube (Macaé) e Batalhão de Infantaria Blindada (Volta Redonda). Os pesquisadores vão propor a transformação de alguns em centros de memória. Para ninguém deixar de aprender. Nem esquecer.
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