Quando pensei nessa frase, não pude deixar de me lembrar de uma das cenas finais de um filme de 1998 que sempre me impressionou muito e que se chama “Nova York Sitiada”. O título correto em inglês é simplesmente “The Siege”. Em Portugal recebeu uma tradução melhor: “Estado de Sítio”. Depois que o exército assume o controle total da cidade com o objetivo de encontrar terroristas, trava-se uma violenta discussão entre o general William Deveraux (Bruce Willis) e o agente do FBI Anthony Hubbard (Denzel Washington) em função das arbitrariedades e das barbaridades cometidas pelo Exército. Argumenta o general que tudo aquilo era necessário para que o “terror não tivesse vencido” e o sujeito do FBI responde: “pois é general, será que eles JÁ não venceram? Será que não era isso (colocar pessoas presas em estádios de futebol) que eles queriam???
Deixo agora o filme de lado para recordar um outro fato marcante do passado recente. Um famoso filósofo brasileiro, numa crítica ao Programa Mais Médicos, afirmou que esses eram os “novos judeus do PT” e alguém escreveu na internet que isso tratava-se de uma “jogada ensaiada”..de uma bola “levantada na área” para que judeus se mostrassem indignados com a comparação e o PT saísse, dessa acusação, mais forte. Observem o seguinte: tanto no caso do filme quanto no caso filósofo a crítica é: não podemos nos “adiantar”….nós não podemos “pressupor”...não podemos, combatendo o terror, fazer aquilo que ele, terror, quer prendendo todas as pessoas nos estádios e não podemos, de maneira alguma, acreditar que o PT traz uma ideologia que seja comparável, do ponto de vista moral, ao nazismo.
Colocado de uma maneira mais resumida e, talvez, mais acadêmica: não estamos autorizados a tirar lições da História, a nos basearmos em eventos anteriores, para tomarmos atitudes que afrontam as liberdades fundamentais, as garantias individuais e a própria base do Estado de Direito. Não podemos, diria eu, tampouco fazer comparações entre um regime que, de fato, construiu um genocídio na Europa, e um partido político latino-americano eleito democraticamente, não é?? Nós não podemos, maquiavelicamente, afirmar que “os fins justificam os meios.” É isso? Muito bem, então vamos adiante:
Tenho testemunhado discussões violentas nas redes sociais cujo tema é sempre o mesmo: “Nós não podemos, no desespero de derrubar o PT do Poder, agir como eles mesmos – os petistas – já que, se assim o fizermos, estamos jogando a água da banheira fora mas com o bebê (Democracia) dentro”. Gosto muito dessa comparação mas agora vou, eu mesmo, fazer o papel do agente do FBI na discussão com o General Deveraux e perguntar a todos vocês: E se o PT já venceu?? E se a Democracia já se foi??? Alguém há que esteja disposto a discutir isso comigo? Só leio pessoas que escrevem: “a liberdade de imprensa ainda está garantida, os poderes ainda são independentes”…
As pessoas me dizem: “com todas as imperfeições, ainda é uma democracia”. Será mesmo? Enquanto as pessoas não forem colocadas em gulags tropicais, enquanto a Rede Globo não for estatizada, enquanto não houver cadernetas de racionamento e a religião não for proibida é uma democracia?? É esse o conceito de democracia?? Qual (pergunto eu em desespero para não me tornar uma pessoa que defende a prisão de petistas sem motivo) deve ser o fato histórico que venha a nos provar a natureza do PT ? O que pode, ainda, o PT fazer para nos provar que não estamos mais numa democracia?
Por que podemos colocar pessoas que raspam a cabeça e andam com a camisetas estampadas com suásticas na cadeia? Porque apologia ao nazismo é crime, respondo eu mesmo. E apologia ao comunismo? Aí não é?? Nós precisaremos viver um holocausto no Brasil para que só depois, legalmente, sejamos autorizados a colocar petistas e comunistas na cadeia? É isso ? O partido escreve que ele, partido, está em “tempos de guerra” e isso não é suficiente?
Este texto foi escrito para mostrar que não existe, entre aqueles que querem derrubar o PT, consenso sobre aquilo que esse partido representa, ele mesmo, em termos de ruptura com a ordem institucional e com as liberdades individuais que tantos temem perder numa intervenção militar. Não é, em hipótese alguma, uma defesa da intervenção. Se fosse, eu o deixaria claro desde o início. Trata-se apenas de um convite à reflexão no sentido de saber se, afinal de contas, vivemos ou não, ainda, numa “democracia”.
O que é “democracia”? Quais são seus fundamentos? Quando ela está ameaçada? Quando ela deixa de existir e – talvez mais importante do que qualquer pergunta – o que estamos (em função da experiência histórica) autorizados a fazer do ponto de vista moral para preservá-la? Todas estas perguntas eu garanto a vocês que o PT já respondeu; quem quer derrubar o PT, não - prova mais do que suficiente para concluirmos: se é verdade que vivemos numa democracia, ela é uma Democracia Sitiada.
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