terça-feira, 17 de março de 2015

Uma grande lição de Brasil

Ao contrário do que supõe o ex-presidente Lula, que imagina um país dividido entre “nós” e “eles”, o Brasil não é binário. Não somos ricos ou pobres, brancos ou negros, burgueses ou trabalhadores, bons ou maus, reacionários ou esclarecidos, de direita ou de esquerda; somos tudo isso, e mais todas as variações possíveis. Por isso as manifestações de ontem foram tão interessantes de se ver, e tão diferentes das Diretas Já, em que todos, absolutamente todos, queríamos a mesma coisa.

Foi muito mais fácil ir às Diretas Já. Não havia pluralidade alguma lá; não havia muito o que pensar. Artistas e políticos estavam do mesmo lado, faziam comícios com os quais concordávamos 100%. Havia uma palavra de ordem única, que estava presa na gargante de todos. Nossos amigos pensavam da mesma forma, e não vivíamos a amargura de nos vermos divididos dentro de uma mesma tribo.

Não tivemos qualquer dúvida em relação às Diretas Já; tivemos todas as dúvidas em relação às manifestações de ontem. Faria sentido nos manifestarmos contra o governo sendo contra o impeachment? Não correríamos o risco de virar massa de manobra de políticos mal intencionados? Não seria perigoso ir a uma manifestação onde poderiam aparecer elementos ultraconservadores?

Sem uma pauta fechada e sem lideranças políticas para dar o tom, cada um foi com a sua cabeça, as suas dúvidas e as suas próprias ideias.

Às manifestações compareceram, essencialmente, os que estão contra o governo. Mas há mil razões para se estar contra este governo, e mil formas de se manifestar isso. Foram para as ruas as pessoas que quiseram apenas mandar um recado à classe política, uma espécie de "Veja lá!", e as que desejam ardentemente o impeachment da presidente; foram as que não aguentam mais a corrupção, as que se cansaram da violência, as que não suportam mais impostos tão altos. Foram as que estão contra o Judiciário e as que querem uma ampla reforma ética para moralizar o país. Foram até algumas que se cansaram da democracia e que querem a volta dos militares. Houve de tudo, e recortes isolados permitem qualquer leitura.

Mas as manifestações foram, acima de tudo, uma grande lição de Brasil. Ela será bem aproveitada se soubermos olhar com sabedoria para este espelho múltiplo e plural — e, sobretudo, se os nossos governantes não se blindarem do que lhes disseram as ruas desqualificando os manifestantes como burgueses brancos elitistas manipulados pela mídia golpista.


Leia mais o artigo de Cora Rónai

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