quarta-feira, 18 de março de 2015

Não se xinga um povo de golpista

Em vez de criar fantasmas, o governo Dilma deveria cair na real para não ampliar o fosso que o aparta do povo brasileiro

A presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e a turma do PT ainda não descobriram que não se xinga o povo, cansado de corrupção, de golpista. No panelaço do Dia Internacional da Mulher rotularam a manifestação como uma tentativa das elites de forçar o terceiro turno eleitoral.

A resposta veio velozmente. Nesse domingo dois milhões de brasileiros foram às ruas e em São Paulo aconteceu a maior manifestação da história do país contra um governo. 


Nem isso tirou o Planalto do universo próprio em que vive e da alienação na qual estão mergulhados o governo e a presidente.

Em vez de tomar um choque de realidade e calçar as sandálias da humildade, o governo fez exatamente o contrário, através dos ministros Eduardo Cardozo e Miguel Rossetto.

O Ministro da Justiça repetiu promessas de dois anos atrás, quando das jornadas de junho de 2013, como se elas respondessem a indignação manifestada hoje.

Palavras surdas frente ao clamor de 2013 e muito menos capazes de satisfazer aos sentimentos cívicos que brotaram nas ruas nesse 15 de março, de norte a sul, de leste a oeste do país. Em todos os andares da sociedade.

O outro, Miguel Rossetto, fez pior. Reproduziu a tese do golpismo, praticou o autoengano, ou tentou enganar a todos nós.

Duas questões preocupam em seu pronunciamento. A primeira é a insistência do Planalto de dividir o país entre os eleitores de Aécio Neves -os que fizeram as manifestações-, e os de Dilma.

Ora, é obrigação da presidente governar para todos os brasileiros, independente de como cada um votou na última disputa presidencial.

O dito do ministro desnudou o governo petista: só pensam em função de sua carteirinha partidária. Se consideram representantes do PT e não do povo. E tratam os outros como se fosse o “resto”.
A segunda questão é o apelo ao medo para levar a sociedade à paralisia.

Propositadamente Rossetto superestimou o peso da meia dúzia que prega intervenção militar, rechaçada pelos milhões que ocuparam as ruas.

Balela. As Forças Armadas sequer dão ouvidos às vozes isoladas que se comportam como viúvas da ditadura. Estão em sintonia com o amplo sentimento de civismo, de amor à democracia, expresso na já histórica jornada de 15 de março. 

Em vez de criar fantasmas, o governo Dilma deveria cair na real para não ampliar o fosso que o aparta do povo brasileiro.

Esse é o xis do problema: não basta apenas o governo reconstruir a interlocução com sua base parlamentar. 

Mais importante é criar pontes com a sociedade. E isto não é uma questão de marketing, é política.

Passa, obrigatoriamente, por um pedido de desculpas aos brasileiros por sua inépcia de não ter percebido o assalto à Petrobras. Pelos erros primários e grosseiros cometidos na condução da economia; pelo discurso falso e ilusionista da campanha eleitoral.

Mas, contar ao povo a verdade será a condenação do seu partido. Representaria a negação do que foi até agora o seu governo.

O jeito vai ser se encastelar no Palácio. Como fez nesta segunda-feira à tarde quando admitiu dar entrevista coletiva num horário onde a população estaria trabalhando e não poderia bater panelas. Não conseguiu. À noite, quando o Jornal Nacional repercutiu a fala da presidente, milhares de pessoas em diversas cidades mantiveram a marcação cerrada e fizeram mais um panelaço.

Como se nota, não fica impune o governante que xinga seu próprio povo de golpista.
Hubert Alquéres

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