sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Tempestades daqui não são como de lá

Enquanto os Estados Unidos, e outros países, se preparam para enfrentar os obstáculos ecológicos, nós fazemos chacota dos caprichos da natureza
Nos Estados Unidos, as preparações para enfrentar as tempestades de neve previstas para ocorrerem no final do mês de janeiro, começaram logo após a virada do ano. O sinal amarelo acendeu devido a uma nevasca precoce em Buffalo, NY, em novembro de 2014.

O interessante foi assistir a reação brasileira à ação norte-americana. Não de Dilma ou dos políticos, mas a nossa reação mesmo, dos meros mortais. Enquanto a tal tempestade não vinha no Hemisfério Norte, as redes sociais aqui do Hemisfério Sul eram inundadas de memes zoando os gringos. Exagero, gasto de tempo e de dinheiro, foram algumas das críticas ao comportamento das autoridades de lá.

Os moradores de Nova Iorque aguardaram a neve em casa, devidamente abrigados, aquecidos e alimentados, ao mesmo tempo em que nós, habitantes do Sudeste brasileiro, já enfrentávamos a nossa própria tragédia, em forma de seca, histórica. Uma seca que ainda pode deixar dezenas de milhões de pessoas sem água, luz e alimentos (sim, a agricultura depende de muita água, mas pouco se tem falado nisso.)

Como a zueira não pode parar, os memes nas redes continuam, ora caçoando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin ora, mais recentemente, do prefeito Eduardo Paes, que ousou avisar a população sobre a possível chegada de um ciclone no Rio. Virou piada. Muita piada.

A verdade é que a situação da região, especificamente de São Paulo, já é de calamidade. As medidas, ao contrário, são poucas, fracas. Há uma recompensa aqui ou ali pela diminuição no uso da água, além da ameaça de multa por consumo elevado. Só isso.

Percebam a diferença: uma matéria da revista Época desta semana, conta que, na Califórnia, no final do ano passado, foi decretado estado de catástrofe e adotadas medidas extremas para a redução do consumo hídrico. Isto porque os reservatórios do estado estavam com prazo de 360 a 540 dias. Pois, em São Paulo, o prazo é de apenas 50 dias!

Resta a quem está mais preocupado com a situação, rezar por mais chuva. Afinal, alguns dias de temporais seguidos ultimamente fizeram o nível dos reservatórios paulistas subirem um pouco e adiaram o racionamento. Alívio geral. Até quando? Culpa dos políticos? Não somente. Esta situação é produto direto da sociedade em que vivemos. É resultado da nossa democracia de interesse próprio.

Democracia de interesse próprio é aquela que entende a ideia da democracia, da civilização e do coletivo, mas tem o seu próprio interesse acima de todos os outros.

No caso da crise da água, isso é fato. O governador Alckmin se recusou a falar sobre o assunto até passar a eleição, ou melhor, até ele próprio ser reeleito. A presidente Dilma também só distribuiu recursos ao estado depois que terminou a disputa, para não beneficiar o seu adversário nacional, que era do partido do governo local, oposição ao partido dela.

Mais triste ainda é perceber que o interesse próprio não move apenas quem vive de voto, mas também os cidadãos, que se recusam a diminuir o consumo de água, ou culpam os governantes, sem reconhecer sua própria responsabilidade.

Enquanto os Estados Unidos, e outros países, se preparam para enfrentar os obstáculos ecológicos, nós fazemos chacota dos caprichos da natureza, e nos comportamos como uma nação de reação. Desta vez, a reação à falta de água virá tarde demais. E, infelizmente, não vai ter graça nenhuma. Pra ninguém.

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