Em outubro, os discursos dos candidatos não estiveram à
altura do que o povo gritou em junho de 2013. Os eleitores não encontraram nas
urnas os desejos de mudanças que pediram nas ruas. É como se houvesse um
divórcio entre a vontade dos pés caminhando e as pontas dos dedos votando. A
campanha, especialmente no segundo turno, foi sobre o passado de cada
candidato, não sobre o futuro que eles ofereciam ao país. Os discursos e as
publicidades eram de louvação aos próprios candidatos ou de críticas e
difamações sobre os opositores.
Uma das ilusões da democracia é que o povo escolhe seus
dirigentes. Na verdade, o povo vota entre candidatos apresentados por seus
partidos. Não é difícil perceber que, por isso, muitos escolheram Dilma com
medo de Aécio, e muitos votaram em Aécio porque não queriam a continuidade de
Dilma. A opção estava em continuar com os mesmos dirigentes ou quebrar os
vícios dos últimos dez anos mudando os quadros no poder. E isso faria
diferença, mesmo sem significar mudança estrutural, porque uma das qualidades
da democracia é o constante recomeço do casamento entre os novos eleitos com os
eleitores, a cada quatro anos.
Depois de anos de corrupção, esgotamento das ginásticas
econômicas e desmoralização da contabilidade criativa, insuficiência das
medidas sociais, caos e descrédito na prática política e da volta da inflação,
o novo governo Dilma começa velho, como um casamento em crise. Junte-se a isso
a necessidade de enfrentar a herança maldita – que seu governo criou e sua
campanha escondeu –, tomando medidas que até dias antes acusava os opositores
de planejar contra os interesses do povo e do país, e o resultado é um governo
que se inicia sob desconfiança. Desta vez, a democracia não conseguiu fazer a
tradicional lua de mel posterior às eleições para troca de governo.
Esta é a realidade com a qual o Brasil vai ter de conviver
pelos próximos quatro anos, porque pior do que um governo sob desconfiança
seria o rompimento com um governo constitucionalmente estabelecido. Por isso, é
necessário o diálogo que a eleita propôs, mas para o qual a presidente ainda
não fez qualquer gesto.
Os desgastes do processo eleitoral – irresponsavelmente manobrado
por marqueteiros desejosos dos votos no dia da eleição, independentemente das
consequências para o futuro do país – exigem pontes, que não foram usadas no
primeiro mandato e foram destruídas no período eleitoral.
O Congresso Nacional, dividido em dezenas de minúsculos
clubes eleitorais, viciados em acordos barganhados, objetivando o poder pelo
poder, comprando ou vendendo apoio para o imediato, sem compromissos para mudar
o futuro, não construiu pontes com as ruas. E o novo governo começa cansado,
sem pontes nem terreno onde construí-las, passando a ideia de não querer mudar
seus propósitos nem sua prática, e falando em diálogo como uma promessa
atrasada de campanha.
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