quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O homem mais perigoso do mundo quer ganhar o Nobel da Paz…

No final de 2019, numa sala lotada do Comité Olímpico de Portugal, assisti àquela que foi uma das últimas intervenções públicas de Adriano Moreira. A abrir um dia de debates, organizado pelo saudoso José Manuel Constantino, sobre Migrações, Desporto e Religiões – um tema agora ainda mais atual –, o velho professor de Ciência Política e Relações Internacionais, então já com 97 anos, aproveitou todo o seu conhecimento e a sua intuição para traçar um retrato dos problemas e riscos que pairavam sobre o mundo. Fê-lo numa época em que ainda ninguém imaginava que, poucas semanas depois, um coronavírus desconhecido iria paralisar meio planeta, e que, após nos livrarmos da pandemia, entraríamos numa espécie de regresso a um passado que já pensávamos ultrapassado, com múltiplas guerras, intensa polarização política, declínio democrático, limitação das liberdades e um ambiente geral que parece só estar à espera de um fósforo incauto para fazer tudo explodir. Mas antes de isto começar a ser visível, já Adriano Moreira tinha então identificado o risco principal que se encontrava à espreita. E sintetizou-o numa frase: “A maior ameaça atual ao mundo é a incultura e a leviandade do Presidente dos EUA, Donald Trump.”


Cinco anos depois, de regresso à Casa Branca, Donald Trump tem feito tudo para demonstrar o acerto da convicção de Adriano Moreira. E, em simultâneo, lembrar a justeza de um ensinamento do antigo chanceler alemão Otto von Bismarck, a quem é atribuída a frase “uma simples leviandade pode desencadear um desastre”.

Desde janeiro, Donald Trump tem utilizado essa ameaça de “leviandade” como a sua principal arma política.


Sem outra racionalidade que não seja a de provocar a incerteza e fomentar o caos, o Presidente dos EUA usa todos os momentos para lembrar à maioria do resto do mundo (não todo…) que qualquer pormenor numa negociação de tarifas ou uma discordância de pontos de vista sobre um assunto, até porventura menor, pode ser o suficiente para fazer escalar a sua posição e endurecer o tom das suas ameaças. Ou seja: provocar o tal desastre. E fá-lo sempre escudado no imenso poder militar da maior e mais experimentada máquina de guerra do mundo. Como que a avisar que, em última opção, não hesitará um segundo em esmagar quem lhe mostrar a mais pequena oposição.

Donald Trump quer ganhar o Prémio Nobel da Paz, mas é atualmente o homem mais perigoso para a paz. Quando se vangloria, num discurso provocador na Assembleia Geral das Nações Unidas, de já ter acabado com sete conflitos nos primeiros oito meses deste seu segundo mandato, ele não está só a efabular e a deixar-se levar pelo seu exagero habitual. O que ele está a dizer, sem o nomear, é algo muito aterrador. É isto: “Não me contrariem, se não…”

A verdade é que são cada vez menos os que o contrariam. Prova disso é o facto de aqueles que, ainda há poucos anos, se riram ruidosamente com as diatribes de Trump nas Nações Unidas terem agora optado pelo silêncio, perante um ataque verbal quase sem precedentes às instituições globais, à ciência e a um conceito de Humanidade que tenha os direitos humanos no seu centro, e não o poder da força.

Donald Trump quer acabar com as Nações Unidas por uma única e exclusiva razão: porque quer ocupar esse espaço no centro do mundo, poder impor a sua decisão e não precisar de dialogar com mais ninguém. É essa a cartilha que está a exportar para os outros países.

Neste contexto, o mais grave nem sequer é o facto de os populistas de todo o mundo terem passado a copiar o estilo e os argumentos de Trump. Nada de diferente seria de esperar, a esse respeito. O pior de tudo é o grau de silêncio e de tolerância, nalguns momentos a roçar a submissão, com que tantos líderes de países democráticos passaram a encarar as ameaças e as diatribes emanadas de Washington, nomeadamente na Europa, que deveria ser o farol dos valores de democracia, da liberdade e da justiça social.

Por mais que deseje o Nobel da Paz, o que Donald Trump está a fazer é a tornar o mundo mais perigoso. Um mundo em que cresce a intolerância, se reprimem as liberdades e se controlam os negócios sempre para a defesa exclusiva dos interesses de quem detém o poder e a força. O que ele quer é exportar o caos e promover a ascensão de ditadores em cada país, com quem pode dialogar no mesmo comprimento de onda.

Assim, ao continuarem a mostrar-se submissos e resignados perante essa forma de estar de Trump, com medo de o enfurecer, os líderes europeus não só se tornam cada vez mais irrelevantes no plano internacional, como acabam por ser cúmplices da Administração dos EUA com os contínuos ataques à democracia e aos direitos humanos. E, com isto, ficam à mercê das consequências de uma qualquer leviandade.

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