sábado, 13 de setembro de 2025

Da beleza de ser ingênuo

Entrevistado pelo jornal italiano La Repubblica, o escritor israelense David Grossman reconheceu que o governo do seu país está cometendo um genocídio em Gaza: “Quero falar como alguém que fez tudo o que pôde para evitar chamar Israel de Estado genocida. E agora, com imensa dor e o coração partido, tenho que constatar que está acontecendo diante dos meus olhos: Genocídio.”

Grossman disse ainda estar convencido de que “a maldição de Israel começou com a ocupação dos territórios palestinos em 1967.”

Alguns dias depois, o deputado Ofer Cassif foi retirado à força do pódio do parlamento israelense, o Knesset, por citar as declarações de David Grossman.


Sou um leitor atento de Grossman. As suas personagens costumam comover-me porque, sendo autênticas, demonstram uma humanidade pouco comum na grande literatura contemporânea.

Enquanto escrevo esta coluna uma flotilha composta por cerca de meia centena de embarcações, transportando 300 ativistas de 44 países diferentes, prossegue viagem com destino à Faixa de Gaza. O objetivo é levar alimentos e assistência médica à desesperada população do enclave. A iniciativa pretende também chamar a atenção para aquilo que pessoas como David Grossman e Ofer Cassif descrevem como um genocídio.

Uma das acusações mais repetidas contra os ativistas que integram a flotilha humanitária é a de ingenuidade. Quando alguém acusa um adversário de ingenuidade isso significa, quase sempre, que não foi capaz de encontrar nessa pessoa nenhum crime, nenhum vício, nenhum grave indício de imperfeição de caráter.

A palavra tem uma história curiosa. Ingênuo, no latim ingenuus, significava “nascido livre”. Mais tarde a palavra passou a ser usada para caracterizar alguém sincero — livre de malícia. Pouco a pouco foi ganhando um sentido negativo. Hoje, ingênuo é aquele que sofre de credulidade excessiva. Desloca-se a culpa dos mentirosos para os que acreditam neles — os ingênuos.

A jovem pacifista sueca Greta Thunberg — também ela a caminho de Gaza — tem sido repetida e furiosamente rotulada como ingênua. Os seus detratores juntam pessoas tão diversas quanto príncipes árabes, ligados à indústria petrolífera, Emmanuel Macron, Vladimir Putin e um sem-número de figuras da direita mais brutal. Além de ingênua e autista, Greta também já foi chamada de “santa do ambientalismo”. Ingênua, autista, santa e ambientalista são, para as pessoas que a odeiam, insultos pesados.

O jovem Assaf, do romance “Alguém para correr comigo” (Companhia das Letras, 2005) corre ainda pelas ruas de Jerusalém, mas agora leva consigo um cachorro que late diante dos tanques. Tamar, obstinada, embarca na flotilha, de guitarra às costas, como se fosse possível abrir o mar com uma canção. Shai, frágil, escreve melodias que ninguém ouvirá — salvo as crianças de Gaza. Todos eles — Assaf, Tamar, Shai, Greta, Grossman — formam a mesma tribo de ingênuos.

Ingênuos, sim: porque acreditam que a vida, como um cachorro perdido, sempre encontrará alguém para correr ao lado dela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário