O assassinato brutal de Charlie Kirk entra na assustadora sequência de atentados que tomaram a política americana nos últimos anos, incluindo a tentativa de assassinato de Donald Trump, em julho de 2024; a agressão ao marido da presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, em outubro de 2022; e o assassinato da presidente da Assembleia Legislativa de Minnesota, Melissa Hortman, e de seu marido, em junho deste ano.
O Brasil também tem sua sequência triste de episódios, incluindo a facada de Adélio Bispo em Bolsonaro em Juiz de Fora, em 2018; o assassinato de Marielle Franco no Rio de Janeiro, no mesmo ano; o assassinato do tesoureiro do PT, Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu, em 2022; e a tentativa de assassinato da influenciadora de esquerda Laura Sabino pelo próprio irmão em Belo Horizonte, em junho deste ano.
O que todos esses episódios têm em comum é a incapacidade dos agressores de aceitar a existência de adversários políticos. Esse sentimento, infelizmente, não está circunscrito a uma franja politicamente extremista ou mentalmente desequilibrada. O grande risco nos tempos atuais é que a intolerância política e a crescente polarização afetiva — a aversão a quem adota identidades políticas contrárias — criem o ambiente para uma explosão de violência política. Um único crime chocante — ou uma sequência deles — pode levar atores políticos a acreditar que estão diante de um enfrentamento final, depois de anos de provocação e hostilidade política mútua.
No estudo mais importante sobre violência política nos Estados Unidos, Radical American Partisanship (University of Chicago Press, 2022), Nathan Kalmoe e Lilliana Mason argumentam que as identidades partidárias funcionam como identidades sociais, gerando favoritismo em relação ao próprio grupo e hostilidade ao grupo de adversários. Quando estes são desumanizados, vistos como malignos ou ameaças à nação, a violência política passa a ser vista como legítima, e seu uso começa a ser cogitado por gente com traços de personalidade agressivos, nos dois campos políticos.
No livro, Kalmoe e Mason mostram que cerca de um terço dos americanos considera aceitável, em alguma medida, o emprego de violência se acredita que o governo é corrupto ou proíbe que os cidadãos tenham armas.
Um estudo inédito que a ONG More in Common fez no Brasil com a Quaest mostra números um pouco menores, mas não menos assustadores: 18% dos brasileiros consideram em alguma medida justificado o uso de violência se entendem que um candidato ameaça a democracia, e 17% acham justificada a violência se entendem que a eleição foi roubada. Num momento em que a esquerda considera que os bolsonaristas ameaçam a democracia, e os bolsonaristas acreditam que as eleições foram roubadas, o potencial de violência é claro.
A escalada da intolerância política tem apenas um destino: uma guerra fratricida. Se não quisermos abrir caminho à barbárie, precisamos resgatar a política como espaço pluralista de resolução dos conflitos dentro da paz civil. Para isso, precisamos reaprender a conviver.

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