quinta-feira, 29 de maio de 2025

O aparente regresso da fé a Silicon Valley

A piada favorita na região era que a fé cristã era ilegal. Ou quase. Embora continuasse a haver cristãos na zona, eles optavam por esconder a sua fé e fingir que não tinham convicções religiosas. Hoje tudo mudou, e muito embora já não se reaja abertamente contra a fé, ainda se sente nalguns meios intelectuais que as convicções cristãs constituem uma espécie de desvio.

Note-se que esta deformação de pensamento ainda é mais forte na Europa. Há uns anos, no final duma sessão dum congresso académico numa universidade em Lisboa, onde proferi uma conferência, uma senhora veio ter comigo para manifestar a sua surpresa deste modo: “Como é que uma pessoa inteligente (referia-se a mim…) pode ser crente em Deus?” A minha resposta foi que, justamente por ser inteligente é que era cristão. Talvez não tenha sido a melhor resposta, mas pelo menos procurei desmontar o vício de pensamento que se posiciona na base de tal pergunta, pois bem sabemos que entre os maiores cientistas do mundo sempre se contaram religiosos e não-religiosos, o que demonstra que fé e ciência de modo algum são incompatíveis.

Durante muito tempo, em Silicon Valley a cultura dominante privilegiava um determinado modelo de “pessoa inteligente”, caracterizada por apoiar os direitos das minorias, ser anti-racista ou adepto das filosofias orientais. Podia até simpatizar com o Islão porque caso contrário poderia parecer xenófobo, ou com o judaísmo porque o antissemitismo ainda não era moda.


Entretanto, quando muitos pensavam que a humanidade estava em marcha acelerada na senda do progresso, começou a perceber-se que na realidade se estava em regressão. Mesmo os mais progressistas começaram a aperceber-se de que muito provavelmente era necessário regressar a uma estrutura ética sólida e de milénios, como a judaico-cristã.

Neste momento, os cristãos de Silicon Valley sentem-se encorajados devido ao facto de contarem com numerosos milionários e cientistas entre eles. Até mesmo Elon Musk se assumiu como um “cristão cultural”: “Eu acredito que os ensinamentos de Jesus são bons e sábios”. Embora se duvide que tal afirmação seja realmente uma coisa boa, vinda de quem vem, o facto é que se indivíduos como Musk afirmam admirar os ensinos bíblicos, então isso ajuda a retirar à fé cristã o labéu norte-americano de ser considerada anticapitalista ou anti-intelectual.

Neste momento, se alguém chega junto de potenciais investidores e diz que ama os pais, cresceu na igreja, serviu no exército, e que isso o influenciou no sentido de uma postura de ética profissional, existe uma imediata disposição para apoiar os seus projectos com financiamento.

Naquela região subsiste a ideia de que criar bons produtos e trazê-los ao mercado faz com que Deus se torne mais real na vida dos consumidores, alimentando-se assim a ideia duma espécie de “deus do consumo”. No entanto, parece que a indústria tecnológica já não confia em si mesma e no mercado para fazer do mundo um lugar melhor, como sucedia no passado. Agora sente-se a necessidade de um pano de fundo ético, o que abre espaço à religião e à espiritualidade, partindo do pressuposto de que os valores espirituais são realmente diferentes dos interesses tecnológicos seculares pós-modernos.

Acresce a isso o receio de que as máquinas venham a competir com a inteligência humana, ou mesmo a substituí-la, através duma IA superlativa, uma espécie de superinteligência artificial, e daí poderá mesmo resultar que alguns a considerem como um deus.

Embora muitos dos cristãos “tecnológicos” de Silicon Valley creiam que a dialética entre produtos inovadores, mercado e ética não poderá ser resolvida através do pensamento religioso, a verdade é que o regresso à fé que atualmente se verifica parece estar a oferecer-lhes uma alternativa de vida e crença. Resta saber se, afinal, não estaremos perante uma coisa diferente da fé cristã, isto é, uma espécie de nova religião.

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