Para superarmos esse passado e imaginarmos um outro futuro, um primeiro passo é reconhecer que os que mais cultivam a democracia na cidade estão nas favelas e periferias. Mais especificamente, em seus coletivos e organizações que, há décadas, e cotidianamente, vêm lutando pelo direito a vida, educação, saúde, saneamento, cultura e outros direitos urbanos. Um segundo passo é reconhecer que são justamente eles os mais ameaçados pela simbiose em curso entre milícia e narcotráfico.
Diante desses grupos que controlam o acesso a bens de consumo nas favelas (inclusive a habitação) e que reúnem grande poder armamentista e penetração no sistema político, as trincheiras de defesa da cidade democrática no coração das favelas tendem a ficar cada vez mais vulneráveis. Daí que o cerco à narcomilícia não deva se reduzir ao necessário trabalho policial, que tem avançado com a bem-vinda participação da Polícia Federal. Para defender a democracia, também precisaremos conferir atenção especial aos danos que a narcomilícia produz no tecido da sociedade civil.
Historicamente, o Rio vem construindo redes envolvendo universidades, instituições de pesquisa e organizações de favelas e periferias. É relevante que, recentemente, Faperj e Fiocruz venham abrindo editais voltados para tais organizações. A isso se juntam trabalhos já sólidos de inúmeras organizações, de que são bons exemplos a Casa Fluminense, a Redes da Maré, o Grupo ECO Santa Marta, o Instituto Maria e João Aleixo e uma gama diversa de iniciativas como o Dicionário de Favelas Marielle Franco, o Plano do CPX, a Expo Favela e o recém-criado Centro de Pesquisas PUC-Rio – Rocinha (Unir).
Essas organizações e iniciativas, e muitas outras não citadas, evidenciam que o Rio dispõe de um consistente capital social e político, formado em torno de redes horizontais, que vivificam o compromisso com a universalização do direito aos bens de cidade e que contribuem para romper com a segregação urbana derivada do estigma da favela. Mas é preciso investir mais na sinergia entre essas ações e apostar em seu caráter estratégico. Fortalecidas, essas redes contribuem para a agenda antirracista e erguem barreiras simbólicas e políticas em face da expansão da narcomilícia que, com sua lógica mafiosa de extração de lucro e concentração de poder, afronta a cidade e a democracia.
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