O povo Yanomami compreende um conjunto cultural e linguístico constituído por quatro subgrupos adjacentes que vivem nos estados de Roraima e Amazonas, assim como na Venezuela. Além dos Yanomami, vivem no território o povo Ye’kuana, de língua Karib e povos isolados. Em dados de 2011, sua população total era de mais de 19 mil pessoas. Embora seu território tenha sido criado em 1991, no Brasil, os conflitos com os garimpeiros persistem desde então, recebendo atenção intermitente e ineficaz por parte do Estado brasileiro. Uma das maiores crises deflagradas pela invasão de garimpeiros em território Yanomami ocorreu em 1993, num episódio conhecido por massacre de Haximu. Na ocasião, 16 pessoas, a maioria crianças, mulheres e idosos, foram brutalmente assassinados.
Ao longo dos anos, antropólogo/as têm produzido inúmeros materiais etnográficos sobre os Yanomami, muitos dos quais mobilizados nas ações e denúncias da ABA sobre as violações de direitos a esse povo. Nos últimos quatro anos, essas denúncias se intensificaram na medida em que a violência contra os Yanomami também escalou de forma brutal. Em março de 2019, denunciamos com a Abrasco o desmonte do subsistema de saúde junto à população indígena. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, em abril de 2020, já na pandemia de covid-19, afirmamos que a chegada da pandemia se deparava com desmonte nas políticas de saúde, entre elas a demissão de profissionais da antropologia nas equipes multidisciplinares de assistência básica a estes Povos.
Alertamos sobre as consequências das fake news sobre a vacina junto à população indígena entre outras. Em maio de 2021, chamamos a atenção sobre o risco de genocídio dos povos isolados e um ano mais tarde, em maio de 2022, sobre o risco de genocídio na terra Indígena Yanomami e Ye’kuana. As denúncias relacionavam, desde então, a invasão da TIYY pelo garimpo ilegal, a contaminação por mercúrio, a desestruturação dos serviços de saúde, o aumento de violência nas comunidades, as violações sexuais, a fome e a desnutrição, o aumento exponencial dos casos de malária, situações nas quais mulheres, idosos, idosas e crianças são as mais vulnerabilizadas.
Diante da reportagem realizada pelas jornalistas Ana Maria Machado, Talita Bedinelli e Eliane Brum no Sumaúma – Jornalismo do centro do mundo, em 20/01/2023, e de sua repercussão, vimos informar que as notas produzidas pela ABA e outras associações científicas, acima indicadas, são documentos públicos, muitos dos quais enviados às autoridades, que estavam, portanto, cientes da grave situação dos Povos Yanomami e Ye’kuana. Assim como os documentos elaborados pela associação Hutukara Yanomami ao longo destes últimos anos.
A retirada dos invasores, o atendimento à saúde e a segurança alimentar são ações urgentes. É uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), tal como declarada pela Portaria GM/MS nº 28 de 20 de janeiro de 2023, da ministra da Saúde [Nísia Trindade]. Esta situação requer a abertura de inquérito policial para apurar o crime de genocídio e crimes ambientais na Terra Indígena Yanomami, como determinado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública [Flávio Dino]. A criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami, decretada pelo presidente da República, é igualmente importante. Todas as medidas governamentais são urgentes e indispensáveis, inclusive a descontaminação de rios e solo, envenenados pelo mercúrio garimpeiro. Mas também é urgente e indispensável que a sociedade brasileira esteja informada e mobilizada para a defesa da vida e de todos os direitos dos povos originários.
Além disso, ressaltamos que as imagens tornadas públicas se referem apenas a uma parcela da situação instaurada entre os Yanomami. Ainda não há informações sobre a totalidade da área atingida e de suas consequências, bem como sobre a preocupante situação dos povos indígenas em isolamento voluntário que vivem na TIYY. Lembramos ainda que, além do plano emergencial, serão necessários planos de médio e longo prazos que assegurem a estabilidade territorial e sanitária necessária para a sustentabilidade dos modos de vida Yanomami e Ye’kuana.
A Associação Brasileira de Antropologia, nesta oportunidade, rememora a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Tribunal Permanente dos Povos, em 2022, e alia-se às iniciativas da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Comissão Arns e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) nas denúncias já realizadas por crime de genocídio e crimes contra a humanidade, junto ao Tribunal Penal Internacional.
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário