domingo, 15 de janeiro de 2023

Terrorismo é crime bárbaro, não ato político

Os invasores das sedes dos três poderes republicanos no domingo 8 de janeiro não podem ser tratados por seus defensores no parlamento, no Supremo Tribunal Federal (STF) ou nas mídias clássicas de comunicação ou da internet como manifestantes em protesto. Todos os que participaram da barbárie de 2023, inédita na história das democracias no mundo inteiro, são reles terroristas, praticantes de crimes comuns contra as instituições e a cidadania. Com a autoridade de quem julgou crimes da Máfia italiana, cujo histórico revelou no livro Máfia, Poder e Antimáfia, premiado no Jabuti deste ano, o desembargador aposentado de São Paulo Walter Maierovski escreveu artigo em sua coluna no UOL desmascarando os quadrilheiros que tentam esconder-se nas togas da Justiça da própria democracia, que tentaram e ainda não desistiram de derrubar, para se dizerem mártires da agressão à liberdade de expressão, o que não tem nenhuma razão de ser. São marginais a essa lei e têm de ser tratados com direito de defesa, mas com rigor, para não continuarem disseminando ódio, terror e desídia.


O então e sempre capitão Jair Messias Bolsonaro é uma espécie de falso santo padroeiro dessa desordem bárbara. Em 1986, publicou artigo na revista semanal Veja reclamando dos baixos soldos constantes das folhas de pagamento do nada glorioso Exército Nacional. Em seguida, procurou a repórter Cássia Maria, intermediária na publicação do texto, para dar conta de um atentado que planejava conjuntamente com o capitão Fábio Passos plantando bombas em quartéis e num aqueduto do Guandu, pelo qual o Rio de Janeiro é abastecido de água potável para a população. A revista publicou a história com os nomes dos candidatos a seguidores de Netchaiev. Como relata no excelente livro O Cadete e o Capitão, o grande jornalista Luiz Maklouf de Carvalho, mesmo tendo o atentado sido frustrado pelas autoridades militares, o ex-presidente, condenado a 30 anos de prisão no quartel, terminou absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM) com oito votos egressos da ditadura o inocentando ao aceitarem o argumento de que uma perícia teve dúvidas sobre a autoria dos croquis dos atentados, embora outro laudo a confirmasse. O acórdão surrealista da Justiça Militar lhe permitiu seguir carreira política por 30 anos como vereador e deputado federal por município e Estado do Rio. Chegou à Presidência da República, na qual passou quatro anos, prazo durante o qual trocou a denúncia da baixa remuneração pela pregação mentirosa da falsidade das contagens de votos das eleições democráticas pelas urnas eletrônicas.

A dois dias da posse da chapa vitoriosa da aliança PT-PSD, fugiu para a Flórida para escapar de possíveis implicações suas no atentado contra a lei e a ordem praticado por extremistas de direita fascinados por seu discurso e suas decisões toscas, a que se convencionou chamar de “bolsonaristas”. Antes disso, faltou ao expediente no Palácio do Planalto em prazo considerado mais do que suficiente para ser enquadrado pelos comandos militares no crime de deserção, conforme depoimento reiterado de seu ex-secetário de seu governo, o general Santos Cruz. Que também se lembrou da caracterização do abandono de serviço de qualquer emprego privado, justificando no caso demissão por justa causa.

Ainda livre do alcance da lei, na companhia de seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, observa ações similares à que não conseguiu realizar com o colega Fábio Passos na invasão bárbara, escatológica e injustificável do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e da sede do STF. Enquanto usa o visto de entrada nos Estados Unidos pela falta de atitude do democrata Joe Biden e de iniciativa do Itamaraty sob nova administração, arrisca a chance de que algum atentado mafioso como o do dia 8 dê resultado positivo, já que o malogro deste ainda não resultou em pena pesada para seus financiadores, participantes e propagadores de sua canalhice, tratada como manifestação heroica de liberdade de seus sequazes. No mínimo, ao seu lado, Torres, já condenado à prisão por nove dos onze ministros do STF, ainda se beneficia da atitude de cautela excessiva do presidente Lula e de seus ministros José Múcio Monteiro, da Defesa, e Flávio Dino, da Justiça e da Segurança Pública. Sem falar na omissão indisciplinada do comandante das tropas do Exército, encarregadas de protegerem os próprios do alto poder republicano, general Gonçalves Dias, que do poeta romântico só tem mesmo a repetição do sobrenome.

A ainda tíbia, embora suficiente para abortar o golpe propriamente dito, reação do governo eleito, diplomado e empossado pelo TSE, sob o comando felizmente firme e corajoso do ministro do STF Alexandre de Moraes, deixa no ar impressões preocupantes. A demora em assumir atitude sobre os foragidos na Flórida autoriza quem defende o “sem anistia” para eles a não contar com o processamento legal da responsabilidade de ambos do malogrado pronunciamiento. A Polícia Federal encontrou um projeto de consequências golpistas lavrado em português e forma jurídica deficientes e basbaques. Seu estilo porco, sem culpar os suínos por suas loucuras, utilizado na destruição das sedes dos poderes da República, não nos deve convencer que tudo não passou de uma aventura de terroristas alucinados, sujos e malvados. O documento se insere na tradição de destruição do aparelho estatal, praticada de forma infame em ministérios fundamentais, como os da Saúde e Educação, que pode ser investigada com um mínimo de capacidade operacional para se chegar aos autores com meros exames grafológicos de melhor qualidade do que os empregados pelo STM no fim do século passado.

A gentalha que transformou a republiqueta num chiqueiro fedorento e infestado de miasmas e micróbios deve ser apenada. Tudo precisa, pelo menos deveria, ser saneado com a competência e a ousadia de Oswaldo Cruz e com a transformação de Lula da Silva num novo Pereira Passos e num Rodrigues Alves revivido. Alguém que saiba ler neste governo precisa tomar conhecimento imediato da primorosa biografia do ex-presidente paulista, escrita pelo gênio do mineiro Afonso Arinos de Melo Franco. Li-a na adolescência e a considero um autêntico vade mecum da boa gestão pública e da competente e republicana utilização da política do povo, pelo povo, para o povo e com o povo.

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