Hábito de psicanalista é notar incoerências em narrativas, mesmo fora do divã (psicanálise aplicada). Com efeito, perguntado se “o governo federal não confiou demais nas informações do governo do DF”, o interventor federal em Brasília — aliás um sujeito sério e competente —, Ricardo Capelli, respondeu:
— Você desconfia quando te dão motivos para desconfiar... As relações interfederativas se pautam pela confiança. A gente jamais imaginou que haveria uma operação desmonte da Secretaria de Segurança Pública. O que nos chegava eram informações dizendo que estava tudo bem, tudo certo, que a manifestação seria tranquila, que as tropas iriam garantir.
Ok. Mas isso em condições normais de temperatura e pressão, pois não? Sua explicação entra em contradição com o que o ministro Flávio Dino vem afirmando: que estamos vivendo um período excepcional, no qual as próprias instituições, inclusive militares, estão divididas e atravessadas por ideologias pessoais interferindo na atuação profissional dos funcionários públicos e militares.
Em tempo, nada contra Capelli, que está fazendo um excelente trabalho. E nada especificamente contra o governo recém-empossado, que ainda luta para se organizar. Aliás, o PT, por motivos políticos, é ruim de autocrítica, e ainda não fez um cálculo correto sobre o que lhe é mais danoso: reconhecer erros ou negá-los. O partido ainda deve à sociedade a diminuição de sua taxa de paranoia. Mas o governo não pode se permitir ter o mesmo sintoma, convém aceitar críticas — e aprender com a experiência, sem se sentir atacado e ameaçado por elas.
Não é preciso listar exemplos da guerrilha de extrema direita que atuou durante a ditadura militar, com uma série de violentos atentados, especialmente contra a cultura, cometidos por integrantes das próprias Forças Armadas. Deste subterrâneo emergiu o capitão Bolsonaro —ele próprio suspeito de planejar um atentado terrorista nos idos da década de 1980 — a pretexto de defender aumento dos soldos militares — e que veio a se eleger presidente da República, responsável por intimidações e ataques à democracia, e por milhares de mortes ao se omitir no combate à pandemia.
A sociedade brasileira permanece gravemente dividida após as eleições nas quais as forças democráticas venceram o obscurantismo. Dessa divisão, entre os inconformados do lado perdedor, há um braço estratégico e armado — civil e militar — disposto a prejudicar e derrubar o governo Lula e a democracia. Sua tática não será a guerra convencional, linear, anunciada. Nada de tanques ou sublevação de quartéis, mas uma guerra assimétrica. O elemento surpresa, como vimos no desmonte da defesa de Brasília, usará a tática de guerrilha, com cúmplices ocultos nas instituições oficiais e ataques inesperados e sorrateiros de toda espécie. O objetivo será tumultuar a vida dos cidadãos e aterrorizar toda a sociedade, prejudicar ainda mais a economia, criar o caos, para ensejar, agora sim, no fim da linha, uma intervenção militar.
O cenário descrito acima faz parte de conjeturas que usam elementos presentes em nossa História recente e calcula probabilidades lógicas. É suficiente para alertar as forças democráticas e advertir o governo para se preparar para uma guerra não convencional, assimétrica — uma guerra de guerrilha de extrema direita.
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