Uma reportagem da Rádio França Internacional em português divulgou o estudo. Nos comentários nas mídias sociais, descobrimos que muitos brasileiros que se consideram de classe média e têm salários mensais desse valor ou um pouco acima se surpreenderam ao saber que seriam considerados ricos num dos países mais ricos do mundo.
Como isso é possível? A explicação é dupla: na França, por causa das políticas de combate à desigualdade, os ricos são menos ricos. No Brasil, quem tem rendimento elevado se sentem menos rico por ter de adquirir serviços privados.
Quem ganha R$ 30 mil no Brasil não está entre os 7% mais ricos, mas entre o 1% mais rico. E muitos desses brasileiros não se sentem ricos, mas de “classe média”, apenas pagando as contas do mês, com sobras que não consideram folgadas.
Um casal que ganha R$ 30 mil pode gastar a maior parte disso com contas mensais como aluguel ou prestação de apartamento em bairro nobre, prestação de carro “confortável”, boas escolas para os filhos, um plano de saúde que cubra os melhores hospitais e uma rotina de viajar e ir a restaurantes. A dinâmica de ter pouco patrimônio e contas mensais que consomem a maior parte da renda não os faz se sentirem ricos.
Mas, objetivamente, num país em que 90% dos trabalhadores têm renda inferior a R$ 3.500 reais, quem ganha R$ 20 mil ou R$ 30 mil é rico — muito rico. É essa profunda diferença entre a realidade objetiva, capturada pelas estatísticas, e a avaliação subjetiva das pessoas que trava o enfrentamento político da desigualdade social.
Os brasileiros ricos não se sentem no topo da pirâmide. Sempre acham que os acima deles é que têm de se sacrificar. Só existe um jeito de reduzir uma desigualdade grande como a brasileira: os ricos e a classe média têm de pagar mais imposto, e o Estado tem de oferecer programas sociais abrangentes como escolas, hospitais e assistência social para redistribuir os recursos arrecadados.
Para os brasileiros que ganham R$ 10 mil, R$ 20 mil ou R$ 30 mil, quem tem de pagar esses impostos elevados não são eles, mas os que ganham R$ 50 mil ou R$ 100 mil — e estes, claro, querem empurrar a conta apenas para os multimilionários e bilionários.
Como os ricos e as pessoas que se veem como “classe média” são na verdade muito influentes politicamente, travam o debate do combate à desigualdade. Em oito anos de governos do PSDB, que reivindica sensibilidade social, e 13 do PT, que se diz de esquerda, esse problema fundamental não foi enfrentado. A construção de um sistema tributário progressivo segue sem destaque na agenda política há décadas.
Não é agradável pagar mais imposto. É um ônus que ninguém quer. Mas uma sociedade menos desigual é seguramente um melhor lugar para viver, como sabem os brasileiros que viajam à Europa.
Existe uma troca, um trade off, entre perder renda pagando mais imposto e o benefício de desfrutar uma vida tranquila numa sociedade mais justa. Hoje, além dos impostos, essa “classe média” paga escola particular, saúde particular e segurança particular nos condomínios e nos serviços. Os impostos necessários para reduzir a desigualdade e oferecer serviços públicos decentes a todos são menos do que ela gasta com esses serviços privados.
É melhor pagar mais imposto e ter os filhos estudando numa boa escola pública, como as de Portugal ou Espanha, do que temer o futuro e ter de matriculá-los numa escola privada de elite, murada e segregada, em Higienópolis ou no Leblon.
Já passou da hora de o Brasil fazer um pacto para um país mais justo. Faz parte desse pacto, é claro, que o Estado gaste melhor o dinheiro que arrecada e que eliminemos os privilégios vergonhosos que ainda existem nele. Os ricos incontestáveis e os que pertencem a essa “classe média” —entre eles eu e você, leitor do jornal —resistiremos um pouco e espernearemos, porque é muito ruim ter de pagar imposto e perder renda. Mas, se o pacto for bem feito, o resultado valerá a pena.
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