O que distingue o caso de Genivaldo, portanto, foi a improvisada câmara de gás montada em plena via pública pelos policiais rodoviários federais para torturar uma pessoa acusada de dirigir uma motocicleta sem o uso de capacete.
Como no caso de Cesar Baptista, recentemente submetido à violência por membros da Guarda Civil Metropolitana, no centro da cidade de São Paulo, as câmaras de celular não tiveram a capacidade de inibir a brutalidade por parte de agentes do Estado. Como se a tortura, tradicionalmente praticada às escondidas, estivesse agora autorizada a ocorrer em público, como alerta de que pretos e pobres jamais terão os seus direitos respeitados nesta terra. Difícil não associar esse recrudescimento da violência de Estado à recorrente apologia de torturadores e regimes que torturam pelo presidente e seus apoiadores.
A tortura transformada em espetáculo nada mais é do que uma forma de pedagogia macabra voltada a assegurar a subordinação racial. Seu objetivo é deixar explícito a todos que as vidas negras não importam. Como nas operações policiais em comunidades, chacinas ou mesmo na manutenção de altíssimos padrões de violência que afetam desproporcionalmente as populações negras (77% das vítimas de homicídios são negras), é a própria humanidade o que se está negando às vítimas.
Mesmo que em alguns estados da Federação, como São Paulo, avanços significativos na qualificação das polícias tenham sido implementados, resultando na redução de índices de homicídios e diminuição da violência policial, o número de pessoas mortas pela polícia no Brasil tem crescido nos últimos anos, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. As mais de 40 chacinas registradas durante a gestão do governador Cláudio Castro, no Rio de Janeiro, ajudam a explicar esse crescimento.
A superação dessa pedagogia de subordinação racial, baseada na violência, que se reproduz desde as nossas origens, exigirá não apenas a ampliação de uma consciência antirracista, mas também profundas reformas no aparato de justiça e segurança. O fato, porém, é que essas transformações somente ocorrerão como decorrência de um alargamento da participação de pessoas negras nas diversas esferas de poder político, econômico e cultural.
Se as ações afirmativas abriram espaço para que a população negra pudesse gozar de um bem antes reservado prioritariamente aos brancos, que é a educação, o movimento negro tem deixado claro que é necessário avançar muito mais na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Nesse sentido é necessário destacar a importância da iniciativa da Coalizão Negra por Direitos de promover e apoiar mais de 50 candidaturas negras ao Congresso Nacional e Assembleias Legislativas ao redor do país, que ocorrerá no próximo dia 6 de junho, em São Paulo.
Sem que pessoas negras venham a ocupar de maneira ampla e efetiva espaços de poder, a democracia brasileira continuará incompleta, e o Estado de Direito, incapaz de assegurar que todas as pessoas, independentemente de sua cor, sejam tratadas com igual respeito e consideração.
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