domingo, 29 de maio de 2022

Militares querem bolsonarismo até 2035

Três institutos com forte presença militar lançaram na última semana o documento “Projeto de nação, o Brasil em 2035”, um plano de militares alinhados ao governo Bolsonaro para governar o Brasil por mais três mandatos presidenciais. O projeto foi coordenado pelo general Rocha Paiva, ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais, e contou com a revisão do general Mendes Cardoso, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo FH, do general Santa Rosa, ex-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos de Jair Bolsonaro, do embaixador aposentado Marcos Henrique Camillo Cortes e do professor Timothy Mulholland, ex-reitor da UnB. A cerimônia de lançamento oficial contou ainda com a presença do vice-presidente, o general Hamilton Mourão.

O projeto é uma espécie de plano de ação para os próximos mandatos presidenciais —esperando um governo Bolsonaro 2, seguido de outros dois de um sucessor, como fez Lula. O documento é um vislumbre da visão de mundo dos militares bolsonaristas.



Um dos aspectos mais preocupantes do projeto é que ele está tomado, do começo ao fim, pelo modo de pensar conspiratório, “antiglobalista” e “antiesquerdista”. “Globalismo” é definido no documento como o movimento internacionalista da elite financeira mundial para controlar nações e cidadãos por meio de intervenções autoritárias disfarçadas como socialmente corretas. O interesse dos “globalistas” seria transferir a soberania dos Estados a grandes potências, organismos internacionais e ONGs, para que esses atores possam decidir melhor sobre temas complexos como meio ambiente e direitos humanos. Por isso o projeto se propõe a conter o avanço do “globalismo”, com um grande esforço de conscientização nacional. A luta contra o “globalismo” é ideológica.

Também é ideológica a luta contra a esquerda, vista como a principal responsável pelas mazelas da educação brasileira, com a pregação facciosa e ideológica de professores radicais. Seria deles a culpa pelo subdesenvolvimento e pela baixa produtividade brasileira. Nada que não se resolva com civismo, disciplina e bons valores morais. Afinal, ideológicos são os outros.

A ideia paranoica de que uma elite financeira “globalista” quer controlar o Brasil por meio da ONU e das ONGs permite resolver a contradição entre duas filiações ideológicas contraditórias do documento, o nacionalismo e o liberalismo. Como em nenhum momento o projeto é propriamente nacionalista — defende a cultura, os empregos ou a indústria nacionais — e, ademais, em termos econômicos, enfatiza sempre uma abordagem bastante liberal, é com o combate ao “globalismo” que afirma seu nacionalismo, ainda que numa chave conspiratória.

O liberalismo aparece na defesa da flexibilização da entrada de capital estrangeiro no país para gerar emprego e renda, mas é aberta uma exceção para garantir o capital nacional na agricultura, dada sua “alta relevância estratégica”. Ficamos sem entender por que não seriam também estratégicos os setores de energia, infraestrutura ou comunicações —e fica a desconfiança de que o protecionismo ao agro é apenas para retribuir seu tradicional apoio ao conservadorismo.

No documento, chama a atenção também aquilo que pouco aparece ou fica de fora. Embora as principais tarefas do Estado brasileiro — pelo menos se medidas pelo gasto público —sejam o SUS, a Previdência e a educação, o projeto não tem nada de muito relevante a dizer sobre eles. O documento não pensa os inúmeros desafios para pôr fim à evasão no ensino médio ou ampliar a cobertura da rede de saúde. Apenas insiste na ideia boba de cobrar pelo atendimento no SUS e para cursar as universidades federais. Há um capítulo inteiro sobre defesa cibernética, mas não há palavra alguma sobre os programas de transferência de renda que são nosso principal instrumento de combate à pobreza extrema.

O documento mostra como os militares que se lançaram na política estão tomados de ideias paranoicas “antiglobalistas” e anticomunistas, mas, quando se trata de gerir o Estado brasileiro, não têm um plano de ação que pare de pé. Seu “Projeto de nação” é uma mistura de delírio ideológico com amadorismo na gestão das políticas públicas.

 Pablo Ortellado:

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