domingo, 29 de maio de 2022

Cerrar fileiras para uma guerra longa

Galym Boranbayev
Antes da invasão da Ucrânia, Vladimir Putin expressou o seu desejo de remodelar a arquitetura de segurança europeia. O líder do Kremlin considerava que o equilíbrio então existente, criado na sequência da queda do Muro de Berlim e da desintegração da União Soviética, era contrário aos interesses da Rússia e reivindicava, por isso, uma maior área de influência para Moscovo. Nesses tempos, ainda recentes mas que agora nos parecem tão distantes, também a NATO era vista como uma estrutura obsoleta e a perder importância estratégica – de tal forma que Emmanuel Macron até a declarou em “morte cerebral”.

Em apenas três meses, tudo mudou radicalmente. Um novo mapa de segurança começa a ser formado no espaço europeu e é exatamente o contrário daquele que Putin pretendia, quando mandou as suas tropas avançar pela Ucrânia adentro, na madrugada de 24 de fevereiro. A NATO prepara-se para ser reforçada com a entrada da Suécia e da Finlândia, dois países com uma longa história de não alinhamento militar. A concretizar-se, a Aliança Atlântica irá duplicar a extensão das suas fronteiras terrestres com a Rússia, passando de 1 215 para 2 555 quilómetros.

Ao mesmo tempo, a União Europeia conseguiu, nestes meses críticos, dar provas de uma unidade que muitos consideravam impossível de alcançar, depois da crise do Brexit, das ameaças extremistas e da reeleição de Viktor Orbán, na Hungria. Perante a ameaça de um inimigo russo que se recusa a jogar o jogo do Direito Internacional, a União Europeia ganhou um novo alento e a atenção mundial: voltou a ser vista como o maior espaço de liberdade e de respeito dos direitos humanos, admirada pelas suas regras de livre comércio e circulação de pessoas, e até como lugar de acolhimento de refugiados.

Mesmo no dossier difícil da energia, com alguns países da Europa Central totalmente dependentes dos combustíveis russos, a Europa tem conseguido manter um mínimo básico de unidade, o que surpreendeu Putin – que terá sobrestimado o poder dos seus oleodutos e gasodutos. Afinal, apesar das posições mais radicais da Hungria e das cautelas da Alemanha, a Europa tem dado passos firmes para se libertar da dependência energética da Rússia, porventura mais cedo do que muitos esperariam – até porque não existe alternativa. A decisão de Putin de suspender o fornecimento de gás à Polónia e à Bulgária – por, alegadamente, os dois países se recusarem a pagar em rublos – acaba por ser um aviso, aos restantes “clientes”, de que não podem confiar no jogo de Moscovo e que, portanto, precisam de diversificar, com urgência, a origem do fornecimento de combustíveis e de procurar novas fontes de energia – de preferência, já agora, mais “limpas” e amigas do ambiente.

Não obstante todas estas manifestações de unidade no espaço europeu – algumas delas inéditas nos últimos séculos de História –, convém manter alguma prudência acerca do desfecho do conflito. Em termos militares, da mesma maneira que se sobrestimou, no início, a capacidade das Forças Armadas russas, convém agora também não as subestimar, nem a elas nem à sua capacidade de manterem a ocupação em certas partes do Donbass e na Crimeia, apesar das sanções ocidentais e do fornecimento de mais armamento à resistência ucraniana. Isto indica que o conflito poderá prolongar-se por muito tempo, já que a União Europeia, por exemplo, insiste em que nunca reconhecerá qualquer metro de terreno conquistado pelos russos, na Ucrânia, e daí a necessidade atual de cerrar fileiras.

No entanto, apesar das demonstrações de unidade europeia e do “renascimento” da NATO, não se pode afirmar que o mundo está todo unido contra a Rússia. Segundo a insuspeita Economist Intelligence Unit, cerca de dois terços da população mundial vive em países que, até ao momento, se mostram oficialmente neutros, recusando aplicar sanções a Moscovo – o que inclui Estados insuspeitos de serem autocracias, como a África do Sul, o Brasil ou a Índia, bem como um membro fundamental e importante da NATO, a Turquia. No contexto de uma ordem global, muitos países continuam a não querer escolher um lado. Preferem esperar para ver o que irá acontecer, qual o equilíbrio de forças que resultará do conflito, do que vai ser da posição da China e o que acontecerá na Rússia – que, como é evidente, não vai desaparecer do mapa. Também não são de excluir muitas convulsões, por todo o planeta, devido à escassez de alimentos, com efeitos perversos: já que a “culpa” irá ser dividida entre a “invasão de Putin” e as “sanções” impostas pelos países ocidentais. Os choques vão continuar.

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