Cada vez mais temos consciência de que a água tem valor, muito valor. Mas quanto vale a água? E que valor lhe damos nós?
Dizem-nos que o valor não se deve confundir com o preço, que é o que se paga por um produto ou serviço, nem com o custo, que corresponde ao montante incorrido na produção desse produto ou serviço.
Efetivamente, o valor é o benefício proporcionado por esse produto ou serviço. No que respeita aos serviços de água e saneamento, é uma percepção difusa e nem sempre adequada. Pois, se a água é essencial à vida, é também um recurso fundamental a todas as atividades humanas, à saúde pública, ao desenvolvimento económico e à qualidade e bom funcionamento dos ecossistemas naturais, considerando mesmo o acesso a estes serviços um direito.
O direito ao acesso aos serviços de água e saneamento foi formalmente reconhecido pela Organização das Nações Unidas em julho de 2010 numa resolução que estabelece que a água potável limpa e o saneamento são essenciais para a concretização de todos os direitos humanos.
Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU e a água ocupa nesta agenda um papel central e transversal a todos os objetivos.
O facto de milhões de pessoas em todo o mundo ainda não terem acesso a algo tão básico como água potável tem movido instituições e pessoas em torno deste objetivo primordial.
Ainda esta semana foi publicado o livro “The Worth of Water” que o ator Matt Damon coautor com Gary White, o engenheiro com quem fundou a Water.org, onde são apresentados exemplos de como a água faz a diferença na vida das pessoas.
Além de apreciar o seu trabalho como ator, admiro muito o seu empenho e generosidade que coloca neste objetivo maior de, através da promoção do acesso à água, combater a pobreza, promover a saúde e a igualdade de género, que são apenas alguns exemplos dos impactes positivos da água, no atingimento de outros objetivos do desenvolvimento sustentável.
Concordo inteiramente com a sua opinião de que é difícil dar valor à água quando a temos em abundância nas nossas vidas.
Inversamente, temos o exemplo recente do que aconteceu na Cidade do Cabo, na África do Sul, quando no início de 2018, após três anos de seca, se aproximava do “Dia Zero”, já com o racionamento de água nos 50 litros por pessoa.
Em Itália, no contexto de seca que se vive atualmente no país, foram impostas restrições ao uso de água e multas para desperdícios.
Também nós, embora já sem esta emergência extrema, estamos a sair de uma situação de seca extrema ou severa que, ainda no final de fevereiro, assolava 95% do território português. A chuva que caiu em março veio atenuar a gravidade desta situação, mas sabemos bem a escassez de água é uma tendência especialmente agravada pelas alterações climáticas.
As consequências cada vez mais graves das alterações climáticas, provocadas através das crescentes pressões sobre os ecossistemas e do aumento da poluição ambiental, são megatendências e constituem ameaças às condições de habitabilidade do planeta e um dos grandes desafios que a nossa civilização enfrenta.
A água está presente em todos estes cenários, por falta ou por excesso, pela qualidade ou pela garantia do acesso.
Volto, por isso, à questão essencial: que valor damos à água?
Que valor damos a abrir a torneira de manhã para lavar os dentes, tomar banho, fazer o café? Quanto vale a água que descarregamos no autoclismo ou usamos para lavar a loiça ou a roupa?
Para estes exemplos e até para os usos indiretos de água que fazemos através do consumo de outros produtos e serviços, podemos estimar um valor recorrendo a calculadoras de pegada hídrica.
Mais complexo será calcular o valor de nadar numa praia, ir pescar no rio com os amigos ou simplesmente estar à beira de um lago a saborear a frescura da água.
Existem múltiplos e diversos valores da água para diferentes grupos e interesses sendo que para o cálculo desse valor devem também ponderar as interconexões entre as necessidades humanas, o bem-estar social e económico e a viabilidade dos ecossistemas.
Para enfrentar o desafio da água, impõe-se a gestão, proteção e valorização dos recursos hídricos e dos serviços associados e também a promoção da educação e sensibilização das pessoas e outros utilizadores sobre o valor intrínseco da água e seu papel essencial em todos os aspetos da vida.
Estamos a aprender a valorizar água como um recurso natural finito a ser salvaguardado. Com a crescente escassez, o valor percebido da água deverá aumentar e as secas, cada vez mais frequentes, dão-nos lições que devemos usar em nosso favor.
As nossas decisões e ações de hoje servem de rascunho para a escrita do futuro. Esta é uma história que a humanidade cria em conjunto e que deve ser capaz de valorizar a água para as pessoas, as atividades e o planeta para as próximas gerações, promovendo desta forma a sua utilização racional e a sua reutilização.
Carla Correia
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