A única obra do prefeito é um cemitério, e ele trama o tempo todo a morte de algum cidadão para inaugurá-lo. Odorico manda até roubar vacinas que poderiam evitar uma epidemia. É quase uma profecia do que viria a ser o Brasil sob Bolsonaro.
Dias Gomes nos faz refletir sobre um país violento e autoritário por meio de muitos outros personagens. Tem o empresário que estupra por "diversão" e os playboys que, por "curtição", tocam fogo num homem que dormia na rua.
Em 1997, a realidade superaria a ficção, com o assassinato do líder indígena Galdino Jesus dos Santos, queimado enquanto dormia num ponto de ônibus, em Brasília, por cinco delinquentes de classe média. Barbárie que completa 25 anos nesta quarta-feira e que ainda nos ronda.
A novela caiu no gosto popular talvez porque o autor, com diálogos cheios de ironia e humor cortante, tenha feito a audiência se olhar no espelho e rir de si mesma. Dias Gomes também sabia iludir a censura. Odorico era tratado pela patente de "coronel". Seu bordão, "Pra frente, Sucupira!", zombava da canção "Pra frente, Brasil!", símbolo da ditadura.
Ao novelista não escapou nem a piada do momento, desde que a imprensa descobriu a compra de Viagra e próteses penianas para militares, com dinheiro público. Em "sucupirês", o coronel Odorico Paraguassu também era "desapetrechado" de potência sexual e recorria a um xarope "revigoratório".
Cabe mencionar ainda a trilha sonora de Vinicius e Toquinho, sob medida para os dias de hoje. A canção "Paiol de pólvora" diz assim: "Estamos trancados no paiol de pólvora/Paralisados no paiol de pólvora/Olhos vendados no paiol de pólvora/Dentes cerrados no paiol de pólvora".
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