quarta-feira, 20 de abril de 2022

A democracia no Brasil ainda sangra por grande culpa dos militares

Democracia à brasileira não existe. À brasileira, só peru, ensinou Heráclito Fontoura Sobral Pinto, católico de ir à missa e comungar, conservador, advogado de presos políticos de esquerda ou de direita na ditadura de Getúlio Vargas e na ditadura militar de 64, e personagem inesquecível da história do Brasil.

Também não existe golpe militar aplicado para salvar democracia ameaçada. A nenhum golpe, de imediato, sucedeu uma democracia robusta em parte alguma. E nos lugares onde a democracia foi mais tarde penosamente restabelecida, ela capengou por muito tempo ou ainda capenga. É o caso do Brasil até hoje.

Em 1964, sob a pressão dos militares, o Congresso declarou vago o cargo de presidente da República quando João Goulart, pensando em resistir ao golpe, estava no Rio Grande do Sul. Dali a dias, para não ser preso, exilou-se no Uruguai. Sucedeu-lhe Castelo Branco, general, prometendo devolver em breve o poder aos civis.

Foi o primeiro dos cinco generais-presidentes de uma ditadura que se arrastou por 21 anos. Chamar o golpe de “revolução democrática” como os militares ainda insistem em fazê-lo não é só uma contradição em termos, é uma grossa mentira. Chamar a tortura e o assassinato de presos de “excessos” é fala de cúmplices.


O artigo 5º da Constituição, em seu terceiro inciso, afirma que:

III – “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”

A Lei nº 9.455/1997, promulgada em 1997, descreve de duas formas o que é crime de tortura:

* constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

* submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

A proibição à tortura também está prevista no Código Penal Brasileiro de 1940 e no Código de Processo Penal Brasileiro de 1941. A tortura, segundo os dois códigos, é crime inafiançável. Quem o comete não pode recorrer ao pagamento de uma fiança para ter a liberdade. A ditadura ignorou os dois códigos.

Salvo raras exceções, a geração atual de militares continua ignorando os códigos e a Constituição ao negar que a ditadura de 64 adotou como política de Estado torturar e matar os opositores considerados os mais perigosos. E quando o passado volta a assombrá-la, insinua que isso é coisa da esquerda.

O general Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do Superior Tribunal Militar, perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado ao resolver comentar os áudios de ex-ministros do tribunal que comprovam tortura durante a ditadura. Chamou as gravações de “tendenciosas” e disse que a Justiça não tem resposta a dar:

“A gente já sabe os motivos do por que isso vem acontecendo agora, nesses últimos dias, por várias direções, querendo atingir Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica. E, sem dúvida, nós somos quem cuida da disciplina, da hierarquia, que são os nossos pilares das nossas Forças Armadas.”

Foi porque a disciplina e a hierarquia militares estavam indo para o brejo que o general Ernesto Geisel, o terceiro de farda a presidir o Brasil, deu início ao processo de abertura lenta e gradual do regime que culminou com a devolução do poder aos civis em 1985. O mesmo Geisel considerou Bolsonaro “um mau militar”.

O ex-capitão punido com seu afastamento do Exército militarizou mais de 7 mil cargos na administração pública e espera contar com o apoio das Forças Armadas para melar as eleições de outubro se for derrotado. A democracia brasileira ainda sangra porque os militares não reconhecem a extensão do mal que lhe fizeram.

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