Em meados de 2020, dezenas de personalidades brasileiras assinaram o manifesto “Estamos Juntos”. Ele dizia que o Brasil está dividido em duas partes: de um lado, os bolsonaristas, com suas ameaças de golpe de estado; de outro lado, os democratas. O texto conclamava os democratas a deixar de lado suas diferenças para deter o avanço dos autoritários. “Somos mais de dois terços da população”, dizia. Poucas horas depois, a festa foi interrompida por ninguém menos que Lula. Ao ver nomes que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff na lista de signatários, ele disse que não era maria-vai-com-as-outras, e negou-se a assinar o documento.
Lembrei-me desse episódio porque, depois das idas e vindas de João Doria e Sergio Moro, na quinta e na sexta-feira passadas, vi pipocarem alegações de que está na hora de deixar de lado essa história de Terceira Via, assumir que a eleição será uma batalha entre Lula e Bolsonaro e parar de tratar os dois lados como equiparáveis. Os petistas, em especial, ficam furibundos diante daquilo que chamam de “falsa equivalência”. Para eles, mesmo quem ainda conta com a ascensão de uma candidatura alternativa, tem a obrigação moral de reconhecer que Lula é melhor que Bolsonaro, o ogro autoritário.
Sério mesmo? Da última vez que fui conferir, não era o eleitor que deveria fazer genuflexão diante dos candidatos; os candidatos é que deveriam convencer o eleitor de que merecem sua confiança. Qual gesto Lula fez até agora na direção dos eleitores de centro? Uma banana, quando lhe sugeriram apoiar o tal do manifesto.
Ah, mas ele convidou Geraldo Alckmin para ser seu vice! E não cedeu quando a ala mais intransigente do PT fez cara feia diante da ideia! No contexto atual, a escolha de Alckmin equivale a uma nova Carta ao Povo Brasileiro!
Vou repetir: sério mesmo? Lula escolheu Alckmin por saber muito bem que, se for eleito, vai encontrar o Congresso mais poderoso do que jamais foi. Por isso, quer ter ao seu lado alguém com traquejo político e apto a dialogar com partidos à direita.
Mas isso não significa que o PT deixará de recorrer a velhos métodos de “convencimento”, se o gogó e as emendas de relator (transparentes daqui em diante, nos dizem) não bastarem para construir uma base parlamentar sólida.
O grande crime do PT foi criar dois mecanismos de cooptação política com dinheiro público, o mensalão e o petrolão. Uma verdadeira “Nova Carta ao Povo Brasileiro” trataria prioritariamente desse assunto. Ela ofereceria garantias de que o partido nunca mais vai recorrer a métodos insidiosos de sabotar a democracia. Algo me diz que não vai rolar.
Bolsonaro quer derrubar a democracia com um joelhaço. O PT mostrou reiteradamente que está disposto a subvertê-la com corrupção. A meta é igual – as diferenças são de método e timing.
Neste momento, debates sobre os deméritos relativos de Lula e Bolsonaro são uma armadilha para o eleitor do centro democrático. Eles o levam a pensar como se já estivéssemos num segundo turno de votação. É no segundo turno que o eleitor sopesa as suas tristezas para escolher (ou anular o voto). Quem será menos nocivo para o país? Quem me causa menos repulsa?
Até o primeiro turno da eleição, petismo e bolsonarismo pertencem ao mesmo balaio: o das coisas velhas, que já foram testadas e se mostraram ruins e perigosas. É hora de ajudar a construir algo diferente.
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