No, Espírito Santo, duas jovens mulheres tiveram os pés algemados porque curtiam praia de topless – sem a parte superior do biquíni, pedaço de roupa que chamamos de sutiã.
No Rio de Janeiro, mais dois pretos assassinados. Um deles na paulada, à beira da praia, na orla da Barra da Tijuca, com gente indo e vindo. Consta que, mesmo acionada, dupla de Guardas Municipais não se dispôs combater a barbárie. Entenda. Nas praias, a função da Guarda Municipal é prender ou esculachar pretos, não socorrê-los.
Moise Kabagambe, 24 anos, era congolês, asilado no Brasil. Como seus assassinos – Aleson Cristiano, Brendon Alexander e Fábio Pirineus – trabalhava por diária nos quiosques da praia da Barra. “Empreendedores” como, genericamente, costumam definir os que labutam por conta própria – sem ganho certo, sem direitos.
O preto Moise, caído no chão, amarrado, agonizou por 21 minutos, enquanto a vida seguia normal em volta do quiosque Tropicália, onde tudo aconteceu. Gente passando, gente comprando, gente vendendo.
O outro preto assassinado, Durval Teófilo Filho, foi alvejado por um vizinho, Aurélio Alves Bezerra. Motivo? Durval vinha na direção do carro do assassino, que estava parado no portão de um condomínio em São Gonçalo/RJ, onde ambos moravam – um preto, outro não.
Comerciário, o preto veio de ônibus para a casa. Procurava a chave de casa na mochila, quando virou alvo do sargento da Marinha Brasileira, que tinha direito ao porte de arma. Usou e matou. Quase foi indiciado “apenas” por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
Com indignação de muitos e protestos da família, o indiciamento do assassino acabou qualificado como homicídio doloso. Houve intenção de matar.
No Espírito Santo, a corregedoria da PM promete “analisar a conduta” dos policiais que algemaram as moças do Topless. Abuso de autoridade registrado em foto e vídeo ainda precisa análise?
Um dos assassinos do preto Moise contou que bateu tanto porque estava com muita raiva. Outro disse ter “a consciência tranquila”. Bateu muito, mas não queria matar.
Câmeras registraram. Com paus, chutes, socos e tapas, três homens adultos e fortes, bateram em Moise sem dó, nem piedade. Para arrematar, amarraram bem amarradinho e o deixaram, no chão, desacordado. Sangrando. (Mas não era pra matar, entende?)
Voltaram ao trabalho como se não fosse nada demais espancar assim um conhecido, colega de lida diária nas areias da praia. Moise – preto, pobre, refugiado, favelado – era só mais um bom pra quebrar na porrada.
Cena de horror. Mais uma.
Resenha da primeira semana de fevereiro 2022. Sem o registro de novos, muitos, feminicídios, crimes de ódio contra as mulheres. Tantos e diários que, parece, nem comovem mais.
No país multirracial, pretos, mulheres e pobres em geral são vítimas preferenciais do preconceito e de outras violências daí decorrentes – fome inclusive.
Entre justa indignação e suspiros de quase desistência, tocamos a vida.
Quase desacorçoados, convivemos com um presidente inepto, que trabalha, em média, três horas por dia. Sobra, portanto, bastante tempo para, diariamente, proferir barbaridades. A da semana foi chamar nordestinos de “pau de arara”. Em público. Aos costumes, rindo.
Como muitos de seus ministros, o PR brasileiro nem se dá ao trabalho esconder que é, desavergonhadamente, preconceituoso, desrespeitoso, descompromissado com qualquer atenção à pobreza, à fome e à violência.
Quem se importa com as corriqueiras balas perdidas que, nos gatilhos de polícias e/ou bandido-milicianos, seguem certeiras: matam crianças, mulheres e homens – pretos! – nas periferias pobres do Brasil?
Nas ruas, cresce o número dos que fazem de casa pequenas barracas, os que exibem cartazes implorando, principalmente, por comida. Expõem seus olhares vazios, retrato da dignidade roubada. Triste.
Difícil não sofrer por este Brasil tão em carne viva.
Dá medo. De tudo.
E, porta afora, lá vem a variante BA.2, da Ômicron. E tem os negacionistas. E tem as chuvas…
Ou seja, nos dias de hoje, felizão mesmo só o povo do dinheiro – banqueiros, rentistas -, que não perdem nunca. Ganham na guerra. Ganham na paz. Na graça e, mais ainda, na desgraça.
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