terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Chuva e escola

A chuva provocou a tragédia, mas não foi culpada por ela. O que aconteceu em Petrópolis, semana passada, tem responsáveis claros: o descaso com o uso do solo urbano e a irresponsabilidade na aplicação dos recursos públicos pelos atuais dirigentes; a permanência da pobreza, apesar da riqueza nacional. Não se sabia o dia e a hora, nem a quantidade de chuva, mas sabia-se que, mais dia menos dia, em Petrópolis ou em outra cidade, dezenas de pessoas, inclusive crianças, seriam soterradas. A dor dessas famílias já vinha sendo construída.

Anos depois de anos, governantes impuseram um desenvolvimento cujos resultados são distribuídos, provocando emigração em massa, que incha as cidades grandes, despreza a regulamentação do solo urbano, usado de maneira temerária, porque a forma mais simples de resolver falta de moradia é construindo casas em lugares onde, mais dia menos dia, serão vitimadas pela chuva. Não é por falta de aviso, a cada ano temos mais de uma tragédia desse tipo em alguma cidade do Brasil. Nossos dirigentes não cuidam do problema. Fecham os olhos ao que já aconteceu e certamente voltará a acontecer. Além de não cuidar da regulamentação do uso do solo, fechando os olhos às soluções temerárias, usadas por quem necessita de moradia, os dirigentes preferem gastar com salários, mordomias e privilégios dos vereadores, construção de estádios para Copa e Olimpíadas, beneficiamento de outras áreas ricas, do que casas populares construídas em lugares seguros. Não oferecem alternativas de moradia para os pobres, não regulam para evitar os riscos e não tomam medidas para evitar a tragédia anunciada, embora sem saber o exato lugar, nem o momento de sua ocorrência.


As verdadeiras causas da tragédia em nossas “monstrópoles” são a trincheira do escravismo negando educação de qualidade e a modernidade apressada concentrando recursos públicos para viabilizar o crescimento econômico, não importa a que custo: avalanches que enterram pessoas são uma delas; engarrafamento e mortes no trânsito são outra; mais grave o desvio de bilhões de reais de investimento em educação, saúde e segurança nos encostos, para gasto com rodovias, viadutos e estacionamento.

Os que sobrevivem moram nas ruas, sem escola de qualidade, sem apoio médico, sem emprego, sem renda, nem esperança. São enterrados vivos na miséria. Descendentes sociais da senzala que sobrevivem ao lado dos descendentes sociais da Casa Grande, quase sempre descendentes também raciais, porque no Brasil a pobreza tem cor preta e a riqueza tem cor branca.

Para evitar outras Petrópolis, já em fabricação, o Brasil inteiro, não apenas o Rio de Janeiro e outras cidades, precisa ter estratégia de longo prazo para transformar suas “monstrópoles” em cidades sadias, coesas, harmônicas, pacíficas, seguras. Isso vai exigir programa para manter as populações que ainda não emigraram para grandes cidades; esforço para promover desmigração, oferecendo condições para retorno de moradores às suas cidades de origem; rigor na regulamentação do uso do solo; transporte público de qualidade; obras para manuseio das águas e sobretudo educação de qualidade em todas as cidades.

Escola não deve servir apenas como abrigo depois das tragédias, mas elas devem servir para evitar tragédias, formando uma nova geração de brasileiros. Se toda cidade tivesse escola com alta qualidade, oferecendo oportunidades de emprego e renda, certamente que a migração seria menor, a urbanização seria mais regular. Para isso, o Brasil precisa de um Sistema Único Público Nacional de Educação de Base, que ofereça educação de base até à conclusão do ensino médio com a máxima qualidade para todos, independentemente da renda e do endereço de cada família. Além de oferecer oportunidades produtivas a todos, este sistema servirá também para formar eleitores que escolham dirigentes comprometidos com a população.

As tragédias do tipo Petrópolis têm a ver com o excesso de chuva, mas sobretudo com a ausência de políticas públicas, especialmente na educação ao longo de décadas.

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