Decorridos seis anos, há na peça que Bolsonaro esgrimiu contra Dilma parágrafos que poderiam ser reproduzidos num pedido de impeachment contra ele próprio sem mexer numa vírgula. Bastaria fazer um ajuste de gênero, trocando "denunciada" por denunciado. Num dos parágrafos, a transposição é tão perfeita que Bolsonaro poderia dedicar a si mesmo numa leitura em frente ao espelho.
Diz o seguinte: "Mais do que despreparo, mostra-se evidente a omissão da denunciada [Dilma] ao deixar de adotar medidas preventivas e repressivas para combater o câncer da corrupção em seu governo, mantendo, perto de si e em funções de alta relevância da administração federal, pessoas com fortes indícios de comprometimento ético e desvios de conduta. Deixou de agir em defesa da sociedade da qual é responsável máxima na administração pública."
Em julho de 2015, o deputado Eduardo Cunha, então mandachuva da Câmara, desengavetou 11 pedidos de impeachment protocolados contra Dilma. Um deles era o de Bolsonaro. Cunha deu dez dias ao capitão para promover ajustes no seu documento, "adequando-o aos requisitos da Lei número 1.079/1950 e do regimento interno da Câmara dos Deputados." A lei mencionada por Cunha define os crimes de responsabilidade.
Suprema ironia: quando pegava em lanças contra Dilma, Bolsonaro era um deputado do baixo clero filiado ao PP, partido do centrão que ajudou Eduardo Cunha a puxar o tapete da então inquilina do Planalto. Agora, Bolsonaro é um presidente sem partido que se casou com o centrão e acorrentou o seu futuro aos humores de Arthur Lira, um cacique do PP que o Planalto ajudou a transformar numa caricatura de Cunha.
Escorada no centrão, a base partidária que dá suporte a Bolsonaro no Congresso é muito parecida com a de Dilma. Para ficar idêntica, faltam apenas a traição e o impeachment.
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