domingo, 25 de julho de 2021

O cheiro do golpista

Pode não ser verdade, mas é bem provável que seja. O episódio golpista que envolveu o general Braga Netto, ministro da Defesa, tem traços genuínos e cheiro de verdade. Só o “Estadão”, que publicou a matéria em que conta a ameaça às eleições feita pelo general, pode garantir a veracidade da informação. E o jornal não só garantiu como reafirmou sua convicção na correção da matéria. Todos os demais podem afirmar que ela é bem provável, ou muito provável, ou mais do que provável. O general tem sotaque de golpista, cacoete de golpista e é amigo e subordinado do golpista-mor da República. Só por um milagre ele próprio não seria um golpista potencial.

Braga Netto é também subserviente ao presidente de maneira absoluta. Parece um cão de guarda, com a diferença que o militar age por vezes por imitação. O cachorro só se manifesta se ordenado pelo dono. A ameaça do general teria ocorrido depois de inúmeras declarações de Bolsonaro no mesmo sentido. No dia 8 deste mês, o presidente reafirmou que poderia não haver eleição se ela não fosse auditável (que na linguagem golpista significa voto impresso). Bolsonaro falou no cercadinho do Alvorada ao grupo de cegos apoiadores que aplaudem e riem de todas as suas tolices. No mesmo dia, Braga teria mandado alguém avisar o presidente da Câmara que se a eleição não for com voto impresso e auditável não haverá eleição em 2022. Alguma dúvida?

Um acinte. Um abuso. Uma violência típica de generaleco de republiqueta. Pode não ter ocorrido, mas Braga já deu outras demonstrações de seu afeto ao golpismo. Na posse do comandante do Exército, no dia seguinte à sua própria posse na Defesa, o general disse que as Forças Armadas estariam prontas para garantir a manutenção do projeto escolhido nas urnas pelos brasileiros. Seria o mesmo se dissesse que os militares não aceitariam um revés que ameaçasse o mandato de Bolsonaro, o presidente que cometeu mais de 30 crimes de responsabilidade pelos quais poderia ser legalmente afastado. Sob qualquer ângulo que se veja, aquela declaração só poderia ser feita por um general golpista, querendo entrar com o seu coturno pesado num jogo para o qual não foi convidado.


Mais adiante, há duas semanas, publicou nota intimidando o presidente da CPI da Covid. Omar Aziz, para quem não se lembra, disse que a banda podre das Forças Armadas envergonham os bons militares. A nota, assinada por Braga e pelos comandantes militares, afirmou que Exército, Marinha e Aeronáutica “não vão aceitar ataques levianos”. Parecia querer dizer que militar ladrão não incomoda militar honesto, poderia ter acrescentado “somos todos companheiros de farda”. Francamente. Braga Netto terá que se entender ele mesmo com a CPI, afinal era chefe da Casa Civil e coordenador do grupo de combate à Covid quando ocorreram todos os equívocos que vêm sendo relatados na comissão. E que resultaram em milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.

O desmentido do general à reportagem do “Estadão” foi solene, mas não definitivo. Ele deveria ter dito o que disse o vice Hamilton Mourão: “É lógico que vai ter eleição (mesmo sem o voto impresso). Quem é que vai impedir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos uma república de banana”. Não, Braga preferiu manter-se general menor e voltou ao velho lenga-lenga de que as Forças Armadas estão “comprometidas com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”, embora essas não sejam atribuições conferidas a elas pela Constituição. Até porque, sabe-se lá o que ele entende por liberdade do povo. Em nome dessa liberdade, outros generais já cometeram inúmeras atrocidades registradas pela História.

Nenhum comentário:

Postar um comentário