O governo Bolsonaro atua em sentido contrário à elucidação dos fatos, seja negando qualquer possibilidade de corrupção no governo federal – daí que toda investigação seria por princípio desnecessária –, seja tentando que as instituições operem dentro de uma lógica de lealdade pessoal. O critério já não seria apenas a lei, mas principalmente as relações pessoais.
Tal modo de agir do governo Bolsonaro não é nenhum segredo. Ao explicar no ano passado a escolha que havia feito para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Bolsonaro foi explícito: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (…) A questão de amizade é importante, né?”.
Diante desse exercício do poder despudoradamente antirrepublicano, são especialmente relevantes duas recentes decisões do Supremo, determinando o prosseguimento de investigações que envolvem o presidente Jair Bolsonaro e três de seus filhos.
No dia 28 de junho, os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) enviaram ao STF notícia-crime pedindo a abertura de inquérito para investigar se o presidente Bolsonaro cometeu crime de prevaricação no caso da negociação da vacina indiana Covaxin. De forma um tanto esquisita, tendo em vista a gravidade dos fatos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não tomou nenhuma providência. Disse que era preciso esperar o término da CPI da Pandemia.
Diante dessa passividade – muito conveniente, por sinal, aos interesses do Palácio do Planalto –, a ministra Rosa Weber foi contundente. “No desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República. Até porque a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito não inviabiliza a apuração simultânea dos mesmos fatos por outros atores investidos de concorrentes atribuições, dentre os quais as autoridades do sistema de justiça criminal.”
Na decisão, a ministra Rosa Weber determinou a reabertura de vista dos autos à PGR. Então, só então, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pediu a abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro a respeito da acusação de prevaricação. Vê-se como é importante insistir na defesa do Direito.
O segundo caso em que o Supremo precisou contornar o desinteresse da PGR em contrariar Jair Bolsonaro refere-se à investigação dos atos antidemocráticos. Apesar de a Polícia Federal ter encontrado indícios de crime, a PGR pediu o arquivamento do Inquérito (INQ) 4.828, que apurava a realização e o patrocínio desses atos.
Em deferência às atribuições do Ministério Público, o ministro Alexandre de Moraes acolheu o pedido da PGR, arquivando o INQ 4.828. No entanto, na mesma decisão, o ministro determinou a abertura de um novo inquérito com o objetivo de investigar grupos que atacam a democracia.
“A análise dos fortes indícios e significativas provas apresentadas pela investigação realizada pela Polícia Federal aponta a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhantes àqueles identificados no Inquérito 4.781, com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”, escreveu Alexandre de Moraes.
Na decisão, os três filhos mais velhos do presidente – Flávio, Carlos e Eduardo – são mencionados na condição de arrolados pela Polícia Federal como possíveis integrantes de organização criminosa destinada a atacar a democracia.
O Estado deve ser capaz de investigar com isenção todos os fatos suspeitos, sejam quais forem os envolvidos. Não existe imunidade ou impunidade por parentesco. Numa República, todo cidadão é responsável perante a lei pelos seus atos, sem discriminações nem privilégios.
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