quarta-feira, 16 de junho de 2021

O mundo não vai esperar por nós

Enquanto se discute quantos motoqueiros prestigiaram a passeata motorizada promovida por Jair Bolsonaro em São Paulo, ao melhor estilo italiano dos anos 30, o mundo continua a se movimentar – de outras maneiras. Dois eventos ocorridos neste mês de junho mostram como se definem as linhas básicas de um novo cenário internacional pós-pandemia.

O primeiro deles foi em Moscou. No dia 5, o presidente chinês Xi Jinping chegou à capital russa para uma visita oficial de três dias. Logo no primeiro dia, teve dois gestos simbólicos: emprestou dois ursos panda ao zoológico de Moscou e chamou o colega Vladimir Putin de “melhor amigo”.

O segundo foi na Baía de Carbis, na Cornuália, onde o presidente americano Joe Biden chegou no dia 11 para um encontro com os demais líderes do G-7, conhecido como o grupo dos países mais ricos do Ocidente. Ali, naquela vila de 3500 pessoas cercada por florestas e praias tranquilas, ele tinha como principal missão reaproximar-se dos antigos aliados europeus.

Os dois encontros, separados por seis dias e 3300 quilômetros, refletem, de um lado, a disposição de Biden de lançar pontes em direção a aliados depois de quatro anos de turbulências durante a administração de Donald Trump. E de construir, conjuntamente com esses aliados, uma resposta à expansão da China.

De outro lado, o fortalecimento da aliança entre Pequim e Moscou. As duas capitais têm seus motivos para promover uma resposta conjunta ao Ocidente. A primeira, por perceber os movimentos iniciais de Biden para limitar sua influência. A segunda, por sofrer as consequências de represálias econômicas desde a invasão da Crimeia, há sete anos.

As “melhores amigas”, Rússia e China, se aproximam cada vez mais politicamente. Mas não só. A proximidade de suas lideranças tem permitido um grande salto nas relações econômicas entre as duas potências – que, não custa lembrar, participam juntamente com o Brasil do Brics, juntamente com Índia e África do Sul.


Poucos dias antes da visita a Moscou, Xi e Putin participaram, de forma virtual, de cerimônia de lançamento de uma parceria que vai permitir a construção, na China, de quatro usinas nucleares com tecnologia russa. Uma forma de ampliar a autonomia energética do país, enquanto fortalece a cooperação tecnológica com um país considerado aliado.

Outro passo recente em direção a essa cooperação tecnológica foi a assinatura de uma carta de intenções para colaboração em pesquisa espacial, que pode envolver a construção de uma base conjunta na Lua até o final de década.

Durante a visita do colega chinês, Putin anunciou ainda a intenção de dobrar, até 2024, o comércio bilateral, atualmente na casa dos US$ 100 bilhões anuais. Ao mesmo tempo, grupos russos e chineses de telecomunicações, internet e comércio eletrônico – como Alibaba, Mail.Ru, MTS e Huawei – firmaram acordos de atuação conjunta.

Também tem forte conotação política a viagem de Biden à Europa – inicialmente para o encontro do G-7, mas igualmente para reuniões com dirigentes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia. Reflete a intenção do novo presidente americano de reduzir as tensões impostas por Trump às relações com os europeus.

Porém, assim como no caso da aproximação entre Xi e Putin, também há aqui um importante ingrediente econômico. Pouco antes de sua viagem à Europa, Biden obteve do Senado a aprovação de um pacote de US$ 250 bilhões destinados a investimentos em tecnologia e na capacidade industrial do país para ampliar a competitividade diante da China.

O pacote faz parte de uma iniciativa mais ampla, chamada Building Back Better (B3), ou Reconstruindo Melhor, em tradução livre. Ela envolve investimentos em rodovias, ferrovias, redes elétricas e internet de banda larga. E está em discussão no Congresso americano.

Agora, em seu encontro com os demais líderes do G-7, Biden apresentou uma versão ampliada de sua iniciativa, a B3 Mundo (B3W, na sigla em inglês).

Trata-se, segundo o governo norte-americano, de um plano conjunto das sete economias para ajudar a suprir as carências de infraestrutura do mundo em desenvolvimento, calculadas em aproximadamente US$ 40 trilhões.

Por meio do B3W, segundo comunicado divulgado pela Casa Branca, os países do G-7 e outros parceiros com propostas semelhantes vão coordenar esforços para mobilizar capital privado para atuar em quatro áreas: clima, saúde, tecnologia digital e equidade de gênero. Tudo com investimentos “catalíticos” das agências financeiras de desenvolvimento desses países.

“O B3W terá escopo global, da América Latina e do Caribe à África e ao Indo-Pacífico”, descreve comunicado da Casa Branca. “Diferentes parceiros do G-7 terão diferentes orientações geográficas, mas a soma da iniciativa vai cobrir países de renda baixa e média ao redor do mundo”.

A iniciativa logo foi interpretada como uma resposta ocidental a um dos maiores programas chineses de cooperação econômica internacional – a Nova Rota da Seda. Lançada em 2013 por Xi Jinping, a iniciativa é considerada um dos maiores programas de infraestrutura da história mundial. E de expansão da influência chinesa, claro.

Os investimentos destinam-se, principalmente, a construir caminhos seguros – terrestres e marítimos – entre a Ásia e a Europa, dentro do que se pode chamar de Eurásia. Mas já alcançaram ou pretendem alcançar 138 países nessas duas regiões, mas também na África e na América Latina.

O programa desenvolvido por Pequim se chama Belt and Road Initiative, ou Iniciativa do Cinturão e da Rota. Pois a proposta apresentada na reunião da Cornuália recebeu de assessores do anfitrião do encontro, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, o apelido de Green Belt and Road Initiative. Um “verde” que faria toda a diferença, aos olhos de seus idealizadores.

Segundo relato do jornal londrino Financial Times, Johnson pretende enfatizar o apoio a iniciativas ambientalmente sustentáveis e demonstra preocupação com a intenção norte-americana de apresentar o plano como um esforço anti-China. Integrantes do governo britânico citados pelo jornal querem que o G-7 mostre “aquilo que está a favor, não o que está contra”.

Dessa forma, o B3W deve garantir acesso mais fácil a financiamento de projetos de baixo carbono, como ferrovias e usinas eólicas.

Poucos países estariam mais bem posicionados para se qualificar a financiamentos com prioridades ambientais como o Brasil. Existe enorme espaço por aqui não só para a construção de ferrovias como para a construção de usinas solares e eólicas. O país estaria também em boa situação para buscar financiamentos da Iniciativa do Cinturão e da Rota junto à China, seu maior parceiro comercial.

Ou seja, o Brasil não é obrigado a escolher um lado nessa grande disputa política e econômica que se desenha para a era pós-pandemia. Ao contrário, pode se apresentar como parceiro igualmente a países ocidentais e à China.

Para isso, inicialmente, precisa aparar arestas. Desde a posse de Bolsonaro, o país já teve conflitos com a União Europeia, por causa da questão ambiental, e com a China, a partir de declarações pouco amistosas de Bolsonaro sobre a origem da Covid 19. O presidente também criou problemas com Biden, por manter até o fim seu compromisso com o aliado Trump.

Em seguida, o Brasil precisa definir muito bem projetos para os quais poderia vir a buscar apoio internacional, em um momento de reconstrução da economia mundial. O atual governo parece ter como único objetivo a reeleição. A oposição, por sua vez, deve apresentar logo ao país uma nova agenda de desenvolvimento. O mundo não vai esperar por nós.

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