As medidas de proteção social de emergência adotadas em praticamente toda a região contribuíram para aliviar o duríssimo golpe do coronavírus sobre as sempre voláteis estruturas econômicas e sociais latino-americanas. Mas não impediu um aumento igualmente notável da pobreza moderada, que no final de 2020 afetava um em cada três habitantes da região (33,7%), mais de três pontos percentuais a mais que um ano antes. É preciso voltar a 2006, auge do “superciclo” das matérias-primas, que permitiu que vários Governos latino-americanos implementassem uma inédita série de medidas sociais, possibilitando uma drástica melhora na qualidade de vida para milhões de pessoas, que ampliaram a base da classe média.
, Sem teto em Buenos Aires, em agosto de 2020 |
Com uma curva demográfica que ainda esboça uma inclinação positiva, em termos absolutos as cifras são ainda mais impactantes. Segundo a CEPAL, o número total de pessoas pobres chegou a 209 milhões no final de 2020, 22 milhões a mais que no final do ano anterior. Desse total, 78 milhões estavam em situação de extrema pobreza, oito milhões a mais que em 2019.
Oito em cada 10 latino-americanos vivem hoje em situação de vulnerabilidade, com renda equivalente a três ou menos de três salários mínimos. Todas essas tendências se intensificam nas zonas rurais e nas de maior prevalência de população indígena.
A maioria dos países latino-americanos enfrentará forte deterioração distributiva, um flanco sempre sensível na região: os que mais sofreram estão sofrendo ou sofrerão as devastações da pandemia serão os que partiram de uma situação pior. “Como sempre, os grandes perdedores são os pobres”, resumiu a chefa da CEPAL na coletiva em que o relatório foi apresentado.
A perda de postos de trabalho e a redução de renda serão maiores nas camadas de renda baixa, assim como no setor informal e na população mais jovem. Já as camadas de renda média sofrerão o sempre temido processo de mobilidade descendente: retornar ao ponto de partida nunca é tão rápido quanto ser deslocado dele. O relatório tem uma explicação para esse fenômeno: na América Latina e no Caribe, as famílias das camadas médias e da parte superior das camadas baixas não costumam ser destinatárias das políticas e dos programas de proteção social, e a maior parte de sua renda vem do trabalho, um dos flancos mais atingidos.
A CEPAL estima que, entre 2019 e 2020, as camadas de baixa renda aumentaram 4,5 pontos percentuais (cerca de 28 milhões de pessoas a mais) e as de renda média se contraíram numa proporção similar (-4,1 pontos percentuais, ou seja, 25 milhões de pessoas a menos).
Ao contrário de outras regiões, a porcentagem de trabalhadores latino-americanos que podem realizar trabalho remoto é muito baixa: para a maior parte dos empregados, o teletrabalho simplesmente não é uma opção.
“A região já vinha com sete anos de baixo crescimento”, afirmou Bárcena, um ano após a identificação do “paciente zero” de coronavírus nesta parte do mundo. “Precisamos de políticas públicas para enfrentar essa emergência e conectá-la com uma recuperação que seja diferente: não queremos chegar aonde estávamos, e sim transformar nossa sociedade. E isso só se faz com políticas públicas.” A urgência em avançar rumo a um verdadeiro Estado de bem-estar, disse ela, é hoje “maior do que nunca”. Segundo seus dados, um terço das famílias com crianças ou adolescentes não conta com nenhum tipo de proteção social. E quase uma em cada três mulheres —sobretudo nas camadas mais pobres da população— não participa do mercado de trabalho para sustentar sua família, ampliando e aprofundando as diferenças iniciais.
Além de prever que a desigualdade de renda total por pessoa aumentará com a pandemia, a CEPAL adverte que o vírus ameaça aprofundar o mal-estar que havia se tornado visível em diversos países da região antes da crise sanitária. “Abordar os fatores que originam o mal-estar, avançando rumo a políticas sociais centradas no gozo de direitos, na igualdade, no reconhecimento e no tratamento digno, juntamente com a construção de acordos sociais destinados à construção de sociedades mais justas, inclusivas e coesas, é fundamental para evitar níveis crescentes de conflito, expressões de violência e crises de representação e legitimidade democrática que impedem o desempenho econômico”, afirmam os técnicos da CEPAL.
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