“Procure o inimigo!” Jânio Quadros sacava seu bordão quando tinha que comunicar alguma medida impopular e pedia aos assessores que dourassem a pílula. Ficou famoso o episódio em que, ao anunciar um aumento na gasolina, jogou a culpa nos… Estados Unidos. No Brasil sempre pega bem responsabilizar os “americanos”, embora a maior parte de nossos problemas seja fruto de nossa própria incapacidade em resolvê-los.
Nomear e cultivar inimigos é a estratégia clássica do populista – aquele tipo de governante que, na definição dos cientistas políticos, se apresenta como defensor do “povo” contra as “elites”.
No rótulo de “elites” cabe quase tudo: os “globalistas”, sem levar em conta que a circulação de bens, pessoas e conhecimento é crescente e irreversível no mundo atual; os “comunistas”, embora eles sejam irrelevantes no ocidente desde o fim da União Soviética, há 30 anos; ou os “políticos” – apesar do fato incômodo de que todos os populistas são, antes de tudo, políticos.
Qual cavaleiros medievais, o presidente americano, Donald Trump, e o brasileiro, Jair Bolsonaro, costumam girar suas maças contra esses três moinhos de vento. Ao longo da semana os dois estiveram nas manchetes das plataformas de notícias. Bolsonaro por dizer que o Brasil estava quebrado e ele não podia fazer nada, embora presidentes sejam superpoderosos em regimes presidencialistas. Trump pela proeza de incitar um cara-pintada chifrudo e sua gangue contra o Capitólio – onde um colégio eleitoral homologaria, horas mais tarde, a vitória do democrata Joe Biden.
Em conversa informal com apoiadores, Bolsonaro disse ter acompanhado a façanha de seu contraparte americano (“sou ligado ao Trump, né?”). Afirmou também que, como Trump, desconfiava de fraudes eleitorais, tanto na eleição americana quanto na brasileira – dando a entender que pode usar o mesmo argumento em 2022. Os dois presidentes “ligados” têm um quarto moinho de vento comum: as urnas, sejam elas eletrônicas ou de papelão.
No Brasil ou nos Estados Unidos, parte do apoio a populistas é interesseira ou ocasional. Lucas Berlanza, diretor-presidente do Instituto Liberal, um dos mais tradicionais “think tanks” da direita brasileira, chama isso de “Estratégia Jânio Quadros”. Segundo Berlanza, personagem do minipodcast da semana, foi o que ocorreu quando a UDN de Carlos Lacerda apoiou Jânio, e quando alguns liberais brasileiros endossaram Bolsonaro. Nos dois casos, deu errado. O apoio a Jânio destruiu a UDN. E os liberais, ao perceber que Bolsonaro não era um deles, vão desertando pouco a pouco do time do ministro Paulo Guedes.
O apoio de vários republicanos a Trump segue uma lógica parecida. Chocados com a gangue do chifrudo, muitos desembarcaram da canoa populista ao longo da semana passada. Pilares do partido e alguns de seus líderes mais populares renovaram o repúdio a Trump. O ator Arnold Schwarzenegger e o senador Jeff Flakes, herdeiro da tradição conservadora de Barry Goldwater, publicaram artigos-manifesto na The Economist e no New York Times.
A revoada dos apoiadores ocorre quando eles atentam para uma verdade incontornável. É da natureza dos populistas nomear e combater moinhos de vento. Quando seus seguidores atacam símbolos da República como o Capitólio, fica claro, no entanto, que pelo menos um de seus inimigos nada tem de imaginário: a própria democracia.
A maior parte da sociedade norte-americana, como a de qualquer país bem-sucedido economicamente, respeita de modo ativo e consciente, há muito tempo, as chamadas “instituições” – o Congresso, o Poder Judiciário, a Constituição, o império da lei e por aí afora.
No Brasil não há respeito praticamente nenhum, porque as instituições não se comportam de maneira a serem respeitadas. Na verdade, seus atos comprovam, o tempo todo, que estão fazendo o exato contrário disso. A estima da população pelo Congresso Nacional é zero; pelo Supremo, então, periga ser ainda mais baixa. Se fecharem ambos, pouca gente vai perder cinco minutos de sono. É onde estamos.
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