segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Um governo pária

Tive o privilegio de assistir fatos históricos que pareciam impossíveis: um presidente negro nos EUA, um operário presidente do Brasil e um papa argentino. Vi o Muro de Berlim cair, a URSS se desfazer, a China superar os EUA. Vi norte-americanos caminhando na Lua e uma nave espacial indiana em órbita ao redor de Marte. Vi até engarrafamento de alpinistas no caminho para o topo do Everest. Foram fatos inesperados, os chamados “cisnes negros”, que nos surpreendem, quando surgem, mesmo que nossa intuição chegasse a imaginar que eles um dia poderiam ocorrer, talvez depois de nossa vida.

O que jamais pude imaginar foi assistir um Ministro das Relações Exteriores, formado no Instituto Rio Branco, vangloriar-se de fazer o Brasil um pária internacional: uma nação sem importância.


O Brasil tem grandes universidades e instituições de qualidade como o ITA, mas em nenhuma onde ensinei encontrei o padrão do Instituto Rio Branco. Impossível imaginar que dai sairia um discurso que ninguém entende, usando uma verborragia de falsa erudição, que o próprio autor não entenderia se alguém lhe mostrasse a gravação e pedisse para explicar.

Ao defender com orgulho o fato de ter feito o Brasil virar um país pária no cenário mundial, a fala do Ministro das Relações Exteriores nesta semana, na formatura dos nossos novos diplomatas, demonstra três fatos lamentáveis. Primeiro, pela lembrança da formação que ele recebeu, financiada pelo povo brasileiro, na instituição de máxima qualidade que temos. Segundo, por ele não reconhecer a vocação do Brasil, imposta pela geografia e a demografia, para ser um ator importante no mundo. Terceiro, porque a obrigação de um Chanceler é fazer seu país presente, reconhecido e respeitado, o contrário da situação de pária que ele diz defender.

É triste ver um ministro brasileiro dizendo que devemos nos orgulhar de sermos um pais pária no cenário mundial. Ainda mais grave, dizer isto na formatura dos diplomatas que representarão nosso país no futuro, pelos próxima trinta anos. Imagino o que pensaram os jovens ao ouvirem o discurso: que vão ser embaixadores aceitando nosso destino de um país isolado, ou não levaram a sério o discurso e não respeitarão este ministro atual; acreditam no ministro e terão vergonha do país ou acreditam no país e estão com vergonha do ministro. Ou, ainda pior, aceitam a liderança e o discurso do ministro e farão o possível para isolar ainda mais o Brasil no cenário mundial.

Ainda mais surpreendente e preocupante é que esta situação ocorre em um governo composto sobretudo por militares. No meu serviço militar, décadas atrás, ouvia a ideia de que, por nosso tamanho, precisamos de Forças Armadas fortes e uma Chancelaria competente. O que estão pensando os jovens que nesta semana receberam o espadachim de formados na Academia de Agulhas Negras, quase no mesmo dia da formatura dos novos diplomatas?

Este não é o Brasil sonhado por Caxias e Rio Branco, esse não é o discurso que eles fariam para nossos jovens. Esta não é a mentalidade que o Brasil precisa para seus jovens, qualquer deles, ainda menos para aqueles que escolheram ser diplomatas ou militares. Mas é isto o que o atual governo-pária está fazendo.

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