segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O país das obras paradas

Em plena pandemia, o país continua sem 1.709 unidades básicas de saúde e 741 pequenas obras de saneamento e recursos hídricos que deveriam estar funcionando há pelo menos quatro anos, de acordo com a programação do governo federal, responsável pelo financiamento. São obras de custo relativamente baixo, até R$ 500 mil por unidade, interrompidas quando mais de dois terços já estavam concluídos.

Sem perspectiva de retomada, permanecem abandonadas em municípios do Nordeste (60%), Sudeste (16%) e Norte (15%), como demonstram os anexos fotográficos de um estudo setorial recém-concluído pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em parceria com a Brain (Bureau de Inteligência Corporativa).

Os projetos integram o acervo do grande museu de obras públicas paradas que se tornou o Brasil nesta década. Continuam inacabadas mais de 14 mil edificações custeadas com recursos federais, já mapeadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).


Em países como o Brasil, estima o Fundo Monetário Internacional, chegam a 34% as perdas no valor do investimento público realizado nos empreendimentos sem conclusão. Joga-se dinheiro fora. O desperdício de dinheiro público aumenta na proporção do tempo de negligência com esse enorme patrimônio.

No conjunto, ele representa uma oportunidade perdida pelo governo Jair Bolsonaro, que completará metade do mandato sem ter resolvido a equação das obras paradas, uma das suas principais promessas na campanha eleitoral de 2018. Como mais de 60% do gasto previsto já foi realizado, a situação é propícia ao término dos projetos. É possível organizar um mutirão em torno de alternativas inovadoras, negociáveis com prefeituras, governos estaduais e fornecedores privados. A solução mais evidente é recorrer a parcerias público-privadas.

Para tanto, é fundamental analisar as razões do desleixo administrativo e instituir mecanismos eficazes de prevenção ao desperdício de recursos. Isso requer total transparência para que a sociedade possa acompanhar e questionar gestores públicos desde a justificativa de prioridade para inclusão de cada obra nos orçamentos até as fases de planejamento, execução e entrega.

A cultura do sigilo favorece desvios, como mostraram a Operação Lava-Jato e outras investigações sobre contratos governamentais. Tal cultura continua, contudo, a florescer na gestão Bolsonaro. De acordo com a revista “piauí”, o governo resolveu tratar como segredo de estado até mesmo as atas de reuniões do grupo interministerial que decide o destino de recursos do orçamento federal, conhecido como “junta orçamentária”. É mais um convite à corrupção e a outros atos obscuros que moldam o caráter do governo.

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