A teoria das pulsões aparece pela primeira vez na obra de Freud em 1920, mas ganha contornos culturais, sociológicos e políticos nove anos depois, quando ele publica O Mal-Estar na Civilização. Neste texto ele descreve a dicotomia entre as pulsões do indivíduo – a pulsão de vida (Eros) e de morte (Tânatos) – e as expectativas da sociedade (ou da civilização).
Bolsonaro age movido a pulsão de morte desde os primórdios de sua curta passagem pelo Exército, em toda a sua carreira de defensor de tortura e assassinato nos porões e, agora, como promotor de caos no enfrentamento da pandemia de covid-19.
Se não, qual a justificativa para um presidente adotar um tom de pura picuinha e dizer explicitamente que, sob suas ordens, a Anvisa, uma agência que tem o dever de fiscalizar e regular a política de saúde, pode atrasar a aprovação de vacinas ao sabor das disputas político-partidárias que ele insiste em antecipar?
Qual a explicação para que, 116 anos depois da Revolta da Vacina, o Brasil esteja mergulhado, por obra e graça do presidente e de seus acólitos, num pântano de desinformação e calhordice em que se propagandeia de forma irresponsável que alguém (Quem? Os governadores? A polícia? Vozes da cabeça dos malucos?) vai invadir a casa de pessoas e vaciná-las à força com substâncias vindas da China (a mesma que, insinuam eles, criou um vírus em laboratório para subjugar o mundo) sem comprovação científica?
No mesmo evento em que usa mais um órgão de Estado, a Anvisa, como aparelho de suas intenções mesquinhas, o presidente dá voz ao ministro-astronauta para promover mais um medicamento sem eficácia científica comprovada em nenhum estudo sério do mundo, como sendo capaz de, nas fases iniciais da covid-19, reduzir a carga viral.
Para isso, o ministro em questão promete para dali a alguns dias (quando?) os estudos que supostamente corroboram a irresponsabilidade, ao mesmo tempo em que usa gráficos chupados de um desses bancos de imagem públicos da internet para mostrar a suposta eficácia. Garganteia diante de um chefe aparvoado que o que deveria ser um estudo de anos foi feito em quatro meses.
Tal show de mistificação, num país que não estivesse anestesiado pelos absurdos cotidianos e impunes, seria contraposto imediatamente pelo Ministério Público, pelo Judiciário, pelo Conselho Federal de Medicina e a comunidade científica, em uníssono. Com a exigência de apresentação imediata de dados, sob pena de punição.
Aqui, o contraponto fica por conta de cientistas usando suas redes pessoais para cobrar o ministro, jornalistas científicos fazendo o mesmo e, talvez, alguma representação de partido de oposição.
O Ministério Público Federal é hoje uma instituição em que os procuradores estão calados porque temem ser alvo de perseguição (volto a isso na coluna de domingo).
Diante de cenário de terra arrasada, dá até um alívio que o Ministério da Saúde se descole do teatro da morte e anuncie convênio para comprar 46 milhões de doses de vacina do Instituto Butantã quando os estudos comprovarem sua eficácia. Resta saber se também o ministro não será admoestado pelo chefe a recuar, se o Tânatos e os delírios persecutórios decorrentes dele apontarem que ele está jogando a favor de seus adversários.
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